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Santa costura dos mares limpos

Santa costura dos mares limpos

| Marcas falantes

Érica Araium

Idealizadora de Diálogos Comestíveis, estrategista de branding, marketing e comunicação. Jornalista. Palestrante. Ávida por #MotivosParaDialogar.

Érica Araium

Idealizadora de Diálogos Comestíveis, estrategista de branding, marketing e comunicação. Jornalista. Palestrante. Ávida por #MotivosParaDialogar.


Upsycling e Slow Fashion: já ouviu dizer? Pronto. Cool example? As lonas e redes de pesca retiradas do mar, na região de São Sebastião (SP) pela ONG Mar Limpo serviram de matéria-prima à estilista Gabriele Meirelles. À frente da grife Santa Costura de Todos os Panos | SCTP (Campinas-SP), concebeu a minicoleção "Mar Limpo", lançada esta semana (fevereiro/2017). As 12 peças sustentáveis da grife assinalam o início da parceria com Luiz Carlos Mosso Cabral, o Capitão Cabral, fundador da ONG. A equipe da Santa criou pantacourts, bermudas e blazers feitos a partir de lonas descartadas de barcos, além de bolsas nas quais a matéria-prima utilizada foram as redes de pesca jogadas ao mar ou abandonadas pelos pescadores na costaPost checado em 02 de março de 2021.

Foi dona Silvânia Marques, aliás, quem fez os modelos e os costurou com delicadeza, a despeito da "durona" lona que de pontadas, até há pouco, só sabia de cor e salteada as de anzóis, corais, pedras e escamas. "As alças das bolsas, de couro, foram aplicadas pelo Vagner, um artesão de Rio Claro que atua na feira hippie", observa a estilista.
 

Bolsa feita com redes retiradas do mar pela ONG Mar Limpo
Bolsa da grife Santa Costura de Todos os Panos feita com redes retiradas do mar pela ONG Mar Limpo. Foto: Érica Araium


Uma etiqueta costurada às peças indica as coordenadas do "resgate" sustentável dos materiais, em 2016. 25 metros de lona que repousavam na Latitude 23*46'13" Sul e Longitude 45*24´12″ Oeste, no bairro Pontal da Cruz, em São Sebastião, viraram pantacourts e blazers a 260 Km - no ateliê da SCTP.

O que mais chamou a atenção de Gabriele no projeto, que só começou, foram as histórias encerradas no material bruto. "As redes, por exemplo, eram usadas para pescar camarão, peixes... Pensar em quantas pessoas já se alimentaram delas é um processo encantandor", pondera em entrevista em vídeo a Diálogos Comestíveis (YouTube).
 

Assista aqui a entrevista com a estilista Gabriele Meirelles

 

 

SLOW FASHION

Costureira prepara peças da coleção Mar Limpo
25 metros de lona de embarcações serviram de matéria-prima à confecção das 12 peças da grife. Foto: Nathalia Fassina.


A família da estilista tem uma relação antiga com o Litoral Norte. Ela não imaginava, porém, que, para além do descaso dos banhistas (o de sempre), houvesse também o dos homens e mulheres do mar.

"O Caio (apelido de Cabral entre os amigos) me ofereceu 25 metros de recortes de lona e mais as redes, mas contou que há muito mais coisa por lá, que o volume de resíduos é incalculável. O piloto dessa pequena coleção e a renda arrecadada com as vendas será entregue a Mar Limpo para que possam confeccionar lá, pois resultaram versáteis e rentáveis", explica Gabriele. "A lona, dura, ficou delicada", observa. As redes, cheias de remendos de anos insabidos, foram mantidas como estavam a fim de seguirem contando seu enredo. 

Cobranding feito e perenizado e a perspectiva de que outras parcerias surjam a poucas léguas daqui. A empresária conta que a Escudero, marca carioca de bolsas e acessórios de couro, que acaba de chegar a São Paulo, por exemplo, desenvolve mochilas de lona e preza a linha ecofriendly. "A ONG precisa se aproximar de mais marcas jovens que entendam o potencial deste projeto", sugere.

 

Blazer SCTP, coleção Mar Limpo

Blazer SCTP, coleção Mar Limpo. Foto: Nathalia Fassina.
 

Bermuda SCTP, coleção Mar Limpo
Bermuda SCTP, coleção Mar Limpo. Foto: Nathalia Fassina.

 

Gabriele Meirelles da Santa Costura de Todos os Panos
"O piloto dessa pequena coleção e a renda arrecadada com as vendas será entregue a Mar Limpo ", afirma a estilista Gabriele Meirelles. Foto: Érica Araium

 

 

MAR LIMPO
 

Tirar lixo do mar e fazê-lo virar peça hype, must have ou it no mundo fashion não é, assim, tão easy. Cabral, publicitário campineiro que, em 2008, com ajuda de amigos, criou a ONG Mar Limpo a fim de promover a educação ambiental no Litoral Norte, enumera encalhes e maresias. E diz das razões para manter-se de alto bordo na faixa do Canal de São Sebastião.

 

Capitão Cabral, da ONG Mar Limpo
Capitão Cabral, da ONG Mar Limpo: "Ou a gente se toca e não joga lixo por aí, ou não. E, em São Sebastião, a gente se depara com todo tipo de dejeto". (Foto: Divulgação)

 

Diálogos Comestíveis (DC) - Há lixo, de muitos quilates, pelas costas e dentro do mar. E um "rio de gente" se preocupando com isso. A Mar Limpo tem bastante material e voluntários para trabalhar?
Cabral - Mar Limpo (ML) - Comecei a trabalhar com sustentabilidade há muitos anos, já na década de 1980, ainda em Campinas (SP). Naquela época, porém, todo mundo ainda achava que os recursos naturais eram inesgotáveis. Adiante, mudei para o Litoral Norte e, nesses anos todos navegando, o que sei é que temos ou não uma relação com o meio ambiente. Ou a gente se toca e não joga lixo por aí, ou não. E, em São Sebastião, a gente se depara com todo tipo de dejeto. Desde os da marinha e de grandes indústrias, como a Petrobrás, até os tocos de cigarro nas praias. Tivemos contato com os pescadores, que usam redes de arraste. Eles tiram do mar o que interessa a eles, mas também tudo quanto é tipo de coisa. Resto de plástico, sapatos, garrafas pet, móveis. Esse lixo todo (e os frutos do mar que não teriam valor comercial) são devolvidos ao mar. Temos uma embarcação e propusemos a eles que retirássemos esse lixo dos barcos deles. Ainda assim, disseram que daria muito trabalho. Veja. Se a gente for tirar todo o lixo, com a estrutura que a gente tem hoje, ainda não conseguimos dar vazão. Não é só o trabalho de limpeza que precisa ser feito, mas um projeto de destinação útil ao material. Fazemos camisetas 50% algodão, 50% garrafa pet e, recentemente, as lonas e as velas dos barcos passaram a nos servir para confeccionar mochilas.

(DC) - Então a Gabi, que você conheceu por amigos em comum, apareceu numa excelente hora?
(ML) - Ela tem uma mão incrível. A leveza da roupa que ela fez é incrível. A gente ficou super satisfeito e vai tentar estender essa parceria tão harmoniosa. Esse evento (do lançamento da minicoleção) trouxe notoriedade para o que a gente faz. Há um designer de camisetas, por exemplo, do qual nos aproximamos e vamos fazer peças diferentes. Demos um primeiro passo com a Gabi e estamos abertos. Estamos numa região de muitas marinas, onde há como coletar muita matéria-prima. Mas só vamos até o local quando tivermos condição de destinar corretamente esses resíduos, envolver mais pessoas no voluntariado e na educação ambiental.

(DC) - A Mar Limpo já pensou em propor parcerias com universidades e cursos técnicos? Ou com chefs de cozinha? 
(ML) - Ainda não, mas estamos abertos. Mas as ideias são muito legais. Temos condição de percorrer toda a Costa Verde. Conheço cada pedaço de encosta desde os 18 anos. E há mão de obra. Obviamente, queremos ampliar o projeto. Descobrimos, por exemplo, que Gabriel Medina fundou seu instituto e ele está ativo aqui na região. Claro que temos muita vontade de conversar com ele também.

 

Embarcação da Mar Limpo percorre toda a Costa Verde (São Sebastião/ SP)
Embarcação da Mar Limpo percorre toda a Costa Verde (São Sebastião/ SP). Foto: Divulgação.

 

COSTURANDO DIÁLOGOS


Ponderando. Logo que soubemos da coleção Mar Limpo, a gente se lembrou do Marcelo Albergaria, da EcoSimple (Americana/SP) e do tecido sustetável que ele vem divulgando, desenvolvido a partir da reciclagem de sobras da indústria têxtil e de garrafas pet. E, ainda, dos estilistas Elizabeth Amante e Dino Martini, da Kerai (São Paulo). Vale ler mais na reportagem que fizemos sobre a 2ª Feira de Sustentabilidade de Piracicaba.

Também voltamos o pensamento ao chef Eudes Assis, caiçara e morador de São Sebastião, expoente da taioba, de outras PANC e da pesca sustentável em seu Taioba Gastronomia. Nos parece bastante razoável a ideia de que Capitão Cabral e Assis (e, por que não, Gabi) se unam em torno das propostas da Mar Limpo e do Projeto Buscapé - associação sem fins lucrativos voltada, desde 2007, à educação das crianças de Boiçucanga. Conta com apoio de Assis e plêiade de chefs. Afinal, num de seus pilares de responsabilidade social, tem justamente a gastronomia. 

Lembrei, ainda... Em 2016, a Adidas lançou, em parceria com a Parley for the Oceans, seu Ultra Boost Uncaged Parley, tênis de performance da marca feito com plástico retirado do oceano (95% ocean plastic e 5% poliéster reclidado) e coletado em costas e em praias das Maldivas. Também botou no mercado camisas do Bayern de Munique e do Real Madrid confeccionadas com ocean plastic. Neste ano, a marca promete apostar na nova versão do calçado: um milhão de pares serão produzidos em impressora 3D.
 


 


DESFILE

 

Não é possível que ainda não tenhamos compreendido. As ideias mais simples são, de fato, as mais extraordinárias. Mestre Petrini, por exemplo, bota a gente para pensar no início, no caminho e no fim dos alimentos (e de tudo o que produzimos) há mais de 30 anos. Slow down! Julga louco alguém trajando uma lona descartada no mar como bermuda? Não é, garanto. Sérião. A peça ficou mesmo confortável (e linda). Sabe-se: foram muitas as mãos que transformaram o desprezível em vestimenta. 

Economia local girando, empregos (responsabilidade social e projetos educativos ativos), meio ambiente preservado. Insano (o eufemismo da loucura), sim, é subsidiar o desperdício.

 

O MAR
 

Lembrei também de poetas, como de costume, enquanto travava meu duelo com os brancos e negros da tela. Navegar, né, Pessoa? Preciso. Foi Pablo, porém, quem me pôs a pensar no que sonhar quando a piscadela demorar mais que o sussurro.

Trecho do poema O Mar de Neruda

 

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