Design gastronômico: desenhe seu pensamento, sirva emoções
Design gastronômico: desenhe seu pensamento, sirva emoções
Érica Araium
Idealizadora de Diálogos Comestíveis, estrategista de branding, marketing e comunicação. Jornalista. Palestrante. Ávida por #MotivosParaDialogar.
Érica Araium
Idealizadora de Diálogos Comestíveis, estrategista de branding, marketing e comunicação. Jornalista. Palestrante. Ávida por #MotivosParaDialogar.
O que faz um food stylist? O que é design gastronômico? Emoções podem nortear a escolha de um alimento? O que um chef de cozinha tem em comum com um designer ou um arquiteto? Gastronomia é arte? Um objeto ou escultura pode ser comestível? A ambientação pode contribuir ao comer? Post checado em 08 de março de 2021.
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Um dos princípios norteadores ao bom designer de alimentos deveria ser: filosofe, seja curioso e busque respostas para solucionar o problema do comensal. Noutras palavras, pense, observe e pergunte. Repita o processo quantas vezes forem necessárias. Desenhe seu pensamento, sirva emoções. Simples?
Antes de compreender-se algumas das técnicas empregadas na contemporaneidade para exaltar-se pratos da haute cuisine e a própria gastronomia, porém, que tal ponderar sobre uma plêiade emblemática do cenário gastronômico: os irmãos Roca, do El Celler de Can Roca, em Girona, nordeste da Espanha?
O empreendimento catalão vai bem, há anos. Não à toa, foi laureado em série, na última década, graças ao empenho dos três cozinheiros que nele atuam. Em 2018, foi considerado o segundo melhor restaurante do mundo, pela revista britânica Restaurant e definido como “perfect pairing of food, dessert and wine” (combinação perfeita de comida, sobremesa e vinho). A Osteria Francescana, de Massimo Bottura, lidera o ranking, neste mesmo ano.
Pois bem, se Joan Roca é o “arquiteto do sabor” e capitão inestimável do estilo e alma da casa, a cozinha, o irmão do meio, Josep, sommelier e maitre, é o mágico a dar as cartas à clientela. O mais novo dos Roca, Jordi, contudo, tem sido apontando pela imprensa especializada e pelos pares, nos últimos quatro anos, como uma das grandes referências em confeitaria. O “doce anarquista” em ascensão, aliás, foi eleito o melhor chef de sobremesas do mundo, segundo a mesma Restaurant, em 2014.
Habilidade comum entre eles? A de aliar técnica à emoção - a despeito do que quer que seja que qualquer desavisado possa almejar. Além de contar ótimas e verdadeiras histórias, boa parte delas atada à memória afetiva, são competentes em ilustrá-las, deixando-as dignas seduzir ou “de comer com os olhos”.
Esta expressão, aliás, é tão arcaica (remonta a rituais fúnebres da Roma Antiga, ainda no século VIII a.C.) quanto imortal. Sobretudo agora, quando se fala em experiência de marca (branding experience) em um contexto em que conceitos como realidade ampliada e machine learning/ deep learning estão hype (povoam o imaginário coletivo).
Brillat-Savarin, “pai da gastronomia”, situa-nos, desde 1859 (A Fisiologia do Gosto) de que há, ao menos, seis sentidos a serem contemplados durante a relação com um objeto exterior: “A visão, que abarca o espaço e nos informa, por meio da luz, da existência e das cores dos corpos que nos cercam” (SAVARIN, 2009, p.39)”; a audição, o olfato, o gosto, o tato e o genésico “ou o amor físico, que impele os sexos” e “invadiu todas as ciências”. Se um prato despertar encantamento, pelo gosto, pelo comer, tanto melhor!
E o que é o gosto? Para Savarin, faculdade mais prudente, que depende de mecânica, da seleção do que é sápido, do colecionar de sensações e da eleição do que é melhor (escolha individual, subjetiva). Para o filósofo e teórico da comunicação francês Pierre Bourdieu, ele não depende apenas do “livre-arbítrio”, pois é construído sob influência das condições de existência, dos estilos de vida capazes de moldar as decisões do indivíduo. Por influência do “hábito” (habitus, espécie de capital cultural), o gosto se torna a faculdade de julgar os valores estéticos de maneira imediata e intuitiva. Só de olhar já sei se gosto, quase sempre. Sorte a dos restaurateurs e chefs que ele, o gosto, pode ser (re)construído se houver novos referenciais. Quantos você, cozinheiro, já pesquisou e entregou ao mundo?
Pondere, agora, sobre o que é caviar. Caviar? Sim. Ca-vi-ar. Se houver referencial suficiente, o comensal, entendido, neste contexto, como o receptor de uma mensagem elaborada por um chef de cozinha, será capaz de valorizar (e, provavelmente, gostar) do sabor e aparência das ovas da fêmea do esturjão russo que ganhou status de luxo a partir de 1860. A expressão “atirar pérolas aos porcos” tem tudo a ver com o caviar, promovido de comida de camponeses e animais a iguaria de reis, naquela época, como narra de forma brilhante, em livro, a jornalista Inga Saffron (Caviar – A estranha história e o futuro incerto da iguaria mais cobiçada do mundo, 2004, Ed. Intrínseca).
Mas, e se o comensal em questão for desprovido de referenciais para compreender o caviar enquanto símbolo ou signo e, tampouco, souber o que é gastronomia de vanguarda (ou molecular)? Entenderá o por que de uma porção de pequeninas esferas amarelo-douradas, de aroma frutado tal manga (sim, caviar de manga), ser depositada sobre “espuma de coco” para guarnecer o peixe cozido em sous-vide? Que impressões iniciais terá o comensal acerca da “espuma”, aliás?
Noutras palavras, vale lembrar que quanto mais complexo o prato, mais complexas haverão de ser as explicações acerca dele e de seu “conceito”. Não faz mais tanto sentido, apesar de o storytelling ser extremamente importante, entretanto, exaltar a subjetividade em detrimento do sabor (tão objetivo e pessoal). Não vale a pena modificar, a esmo, as formas, as cores as estruturas e os sabores originais dos alimentos. Tampouco manipular, às custas de suposta criatividade, o cenário natural já perfeito a fim de que algo se “pareça com”. Salvaguardas as proporções de licença poética da cozinha autoral na haute cuisine, pitadinhas de ousadia valem mais que colheradas de afetação em série no cotidiano do cozinhar.
Afinal, qual é o contexto da produção de imagens gastronômicas (cenários, fotos, vídeos, animações em Virtual Reality e etc para os mais diversos fins)? Entre as atuais tendências que norteiam o trabalho dos cozinheiros profissionais estão a simplicidade (a volta ao básico); a exaltação dos insumos hiper locais e naturais; a execução de menus mais casuais, criativos e personalizados; a valorização de receituários étnicos/ regionais, conforme diversos levantamentos, inclusive o da National Restaurant Association (What’s Hot 2018).
No prato, quanto mais vegetais, cores e texturas, mais clientes felizes e prontos a compartilhar posts - sobretudo vídeos e fotos, nesta ordem. Em torno dele, quanto mais acessórios artesanais (de madeira, metal, papel etc) e sustentáveis houver, mais conectados ao gostar eles estarão. Para que complicar? A ode à excentricidade do simples deve perdurar por, ao menos, mais uma década.
Simplificar é tão preciso quanto entender que neurociência, design, arte e comunicação aliados à gastronomia tornam muitas comidas apetitosas aos olhos, ao palato e ao cérebro. Bacana é compreender como executar as combinações perfeitas!
“É necessária uma constante sacudida da observação para ajustar o foco não sobre o conteúdo das mensagens, mas sobre a sua feitura: enfim, o semiólogo, como o linguista, deve entrar na “cozinha do sentido”. (BARTHES, Roland. 2002, p.178).
O designer gastronômico, comunicador, idem.
Diálogos Comestíveis ministra oficinas, palestras, cursos e afins sobre design gastronômico e food styling e conta com parceiros para atendê-lo. Quer saber mais? Entre em contato!
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