O "everything else" da percepção de sabor e da inovação
O "everything else" da percepção de sabor e da inovação
Érica Araium
Idealizadora de Diálogos Comestíveis, estrategista de branding, marketing e comunicação. Jornalista. Palestrante. Ávida por #MotivosParaDialogar.
Érica Araium
Idealizadora de Diálogos Comestíveis, estrategista de branding, marketing e comunicação. Jornalista. Palestrante. Ávida por #MotivosParaDialogar.
A expressão "everything else" (todo o resto) foi introduzida por Charles Spence em seu livro A Refeição Perfeita, referindo-se a todos os fatores, além de ingredientes e técnicas de preparação, que influenciam a nossa percepção de sabor na experiência do comer. Isso inclui itens como o peso dos talheres, a cor dos pratos, a música ambiente, o local e com quem se faz a refeição.
Quanto do prazer de uma refeição vem do "everything else"? Já dizia Spence, em seu livro Gastrophysics: The New Science of Eating, que o fato de se sentir satisfeito após uma refeição tem mais a ver com a mente do que com o que está no prato.
Neste post, Maria do Carmo Pontes, parceira da FoodWorks, nos conta de como a percepção de sabor pode ser alterada pelas escolhas do desenvolvedor de produtos e pelo neoconsumidor. Um privilégio ter tanto conhecimento compartilhado e mais #MotivosParaDialogar!A explicação disso tem ligação com o que dizia o neurologista Giuseppe Ierace: - “Há conexão direta entre o centro das emoções no cérebro e o córtex gustativo e olfativo, região onde os odores e sabores são processados”.
Dessa forma, as memórias afetivas e as diferenças pessoais fazem da refeição uma experiência única. Mas há respostas comuns para alguns estímulos e a gastrofísica, ciência que estuda esses fenômenos, tem truques que podem ser aplicados por quem deseja comer menos, ter mais prazer ao se alimentar ou diferenciar seu negócio quer seja um restaurante, bar, café ou outro.
Os restaurantes Fat Duck de Heston Blumenthal, o Ultraviolet de Paul Pairet, o El Celler dos irmãos Roca, o El Bulli do chef catalão Ferran Adrià (reaberto como laboratório e museu de inovação gastronômica) e ainda o Alinea do chef Gran Achatz, trabalharam com psicólogos, médicos e estudiosos em neurociência e abusaram da ousadia, sendo os precursores dessa revolução gastronômica. Aproveitaram os benefícios do movimento e serviram de inspiração para restaurantes, bares e cafés.
Também há estudos que podem beneficiar a indústria de alimentos, ajudando-a no atingimento de seus objetivos de qualidade – e percepção da qualidade - saudabilidade e prazer. Porém, isso ainda é pouco explorado; há necessidade de se "virar um botão" e mudar tudo para menos esforço e mais ciência.
Muitos dos projetos desenvolvidos por Spence para a indústria são focados na redução de açúcar e sal. Isso é possível? Entre outras coisas, sabe-se que música alta aumenta a doçura e se chamarmos a torta de maçã de "torta doce de maçã", o comensal vai achar essa segunda mais doce.
As associações crossmodais (aquelas que ocorrem quando dois ou mais sentidos são requeridos) e os efeitos de transferência colocam os talheres em uma posição importante - como moduladores de sabor.
Para grande parte das pessoas, as refeições têm um gosto melhor quando servidas com facas e garfos pesados e caros. A quantidade de alimento que está sendo comida pode igualmente ser modulada pelo tamanho dos talheres; garfos menores resultam em aumento de consumo.
Como ficará o "everything else" no cenário pós-COVID?
Usando a frase da jornalista Érica Araium: "Quantos comportamentos improváveis desenvolvemos e estamos desenvolvendo pelo encapsulamento e pelo medo da pandemia!" Que truques e/ou experimentos podem ser adicionados aos já conhecidos e que nos tragam os tais "combos felicidade" (termo citado pela Érica) onde, do meu ponto de vista, já deverão estar incluídos a segurança alimentar, o prazer, a sustentabilidade, o acolhimento e a confiança?
O conhecimento desse neoconsumidor é algo em construção e que poucos se arriscam a definir. Nesse sentido, continuemos atentos aos ousados chefs, a quem planta, a quem consome, e a nós mesmos.
Maria do Carmo Pontes é graduada em Engenharia de Alimentos pela UNICAMP e pós graduada em Marketing pela ESPM. Trabalhou em empresas nacionais e multinacionais de grande porte por mais de 20 anos. Especialista em Inovação – trabalhou inicialmente na área técnica (desenvolvimento de produtos e processos) e, posteriormente, no gerenciamento de portfólio. Desenvolveu produtos com chefs de diferentes nacionalidades; conheceu a culinária de diversos países da América Latina e participou de inúmeras visitas a campo e na casa de consumidores. Em 2016, criou a FoodWorks, consultoria focada em Inovação e Solução de Problemas da Indústria de Alimentos, usando conceitos interdisciplinares como "multisensorialidade" ou outros que resultem em soluções disruptivas e produtos sustentáveis.
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