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Gastronomia à brasileira

Gastronomia à brasileira

| Marcas falantes

Érica Araium

Idealizadora de Diálogos Comestíveis, estrategista de branding, marketing e comunicação. Jornalista. Palestrante. Ávida por #MotivosParaDialogar.

Érica Araium

Idealizadora de Diálogos Comestíveis, estrategista de branding, marketing e comunicação. Jornalista. Palestrante. Ávida por #MotivosParaDialogar.


Que verbetes vêm à cabeça quando você pensa em "gastronomia brasileira"? Sem celeuma, sem polêmica e sem censura, assim de "bate-pronto", eu diria: em construção. Mais formalmente, entendo que o discurso sobre a “gastronomia brasileira” elaborado neste início de século XXI se constituiu a partir da memória sobre a sua própria historicidade. E digo isso em meu livro: Diálogos Comestíveis - Porque todo comer é você quem desenha (Editora Dialética), recém-lançado (2022). Ele está disponível no site da editora e, também, nas principais plataformas de e-commerce nas versões física e e-book.

Ocorre que, muitas vezes, o que denomina-se "gastronomia" é, ainda, preâmbulo. É ainda molde. Se se pensar em "cozinha de autor" e, portanto, em alta gastronomia, os set-ups são mais longos: tem-se processos criativos diversos, muitas vezes embalados pela afeição inicial de um cozinheiro com a culinária regional que reconheceu nalgum rincão desse quase continente.

A gastronomia é multidisciplinar, mais ampla que o receituário em que se baseia. Por sua vez, o receituário é como um texto basal em que os verbetes circulam livres, leves e soltos até que, juntos passem a fazer sentido para um, mais um e, por fim, para muitos. E agora, Carlos?

 

Carlos Pacheco na Pinacoteca de São Paulo
Carlos Pacheco na Pinacoteca de São Paulo (arquivo pessoal, arte Diálogos Comestíveis)

 

O discurso sobre a "gastronomia brasileira", conforme estudei e sigo estudando, parece mais atado a um conjunto de conceitos anteriores. Como os da formação da “cozinha brasileira” e da “culinária brasileira”, formulados desde 1500 (na verdade, bem antes do "descobrimento"). O que ouvimos dizer sobre a nossa gastronomia depende também dos discursos esquecidos sobre ela, aqueles que foram deixados de lado porque passaram a não fazer mais sentido noutros momentos históricos.

 

E agora, Carlos?

 

A pergunta que lancei e lanço, com frequência, aos cozinheiros é: que respostas darão aos usuários os buscadores acerca de uma busca por "gastronomia brasileira"? E por "gastronomia brasileira sustentável"? Em 2017 (acho que foi naquele ano), conheci virtualmente um entusiasta da gastronomia brasileira: Carlos Gustavo Pacheco. Ele era fã de Roberta Sudbrack e uma companhia bem limitada. Um devorador de tudo que circundava o imaginário acerca da "gastronomia brasileira".

Ainda não nos abraçamos de verdade. Não nos olhamos nos olhos. Mas eu imagino que ele represente ou personifique os cozinheiros mais curiosos que temos por aí. Carlos Gustavo nasceu no ano 2000. É aluno de um curso de história, embora se deite sobre os livros e as histórias sobre a gastronomia. Ama gastronomia a ponto de entender a relação entre a construção e manutenção da identidade brasileira; e a construção e manutenção da identidade gastronômica brasileira. Ultimamente, Carlos Gustavo parece preocupado, tanto quanto eu e outros brasileiros, com a relação entre o que se planta e o que se colhe. Com o execesso de agrotóxicos no meio ambiente e a pujança do agronegócio. Valoriza, ainda, o feijão com arroz como comida emblema, não como commodity. E já entendeu - porque para ele meia palavra basta - que a soja não serve, exatamente, para alimentar, com muitas vantagens de "planta", os seres humanos. 

 

As palavras de Carlos Pacheco
As palavras de Carlos Pacheco

 

Quando o convidei para mandar 20 palavras sobre "gastronomia brasileira" para o projeto sobre "a antropofagia que nos une e diferencia", o fiz pensando na dimensão dos sentidos de "gastronomia brasileira".  Para alguém que, desde "sempre", lança à rede mundial de computadores zilhões de dados sobre isso. Um nativo digital com a mesma idade da gastronomia contemporânea, da internet (que nasceu em 1997, mas "estourou" em 2000) e dos cursos de graduação em gastronomia no Brasil. Se ele e seus afins fizerem as perguntas certas sobre a expressão "gastronomia brasileira" às redes, será que a paisagem comestível que veremos adiante melhorará? O que têm buscado sujeitos apaixonados pela história da alimentação no Brasil como Carlos Gustavo? 

 

 

INSEGURANÇA ALIMENTAR, INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, AI!

 

Saberemos, talvez, muito em breve, com a a ajuda das inteligências artificiais. Elas terão mais capacidade de vasculhar a web rapidamente que os humanos. Poderão rastrear as memórias metálicas das máquinas e das coisas, lugares em que os dados circulam de forma horizontalizada, sem tanta hierarquia (ou com certas organizações taxonômicas) e onde tudo se acumula. Onde a noção de "quanto mais, melhor" prevalece. 

Creio que, para compreender o que é "gastronomia brasileira" é preciso compartilhar o prato e dialogar sobre o gosto. E um prato de comida, convenhamos, pode ser visto de ângulos tantos à beira da mesa ou à borda do smartphone... Nem é preciso comer, literalmente, para dialogar sobre a comida. No metaverso, quantas NFT's serão disputadas como se disputa um atum-rabilho? A linguagem da comida, onde cada ingrediente é como um verbete, como nos sugere Massimo Montanari, é melhor compreendida na/ pela comensalidade – no comer junto. Só criaremos repertório sobre o gosto com ajuda dos morfemas ou unidades básicas: os produtos disponíveis, as plantas e os animais. A biodiversidade, enfim.

 

 

 

E se os morfemas sumirem do mapa? E se os grãos desaparecerem com as guerras belicosas, com as guerras digitais? E se os legumes e verduras desaparecerem com as mudanças climáticas e o gosto pelo óbvio? E se os nossos feijões, ah, os feijões, sumirem do prato? Do Brasil? Da ideologia de ser brasileiro sempre revista e divulgada pela mídia? O que é ser brasileiro e fazer gastronomia brasileira de forma sustentável no Brasil? Cozinheiros e jornalistas, ajudem. Com o que e para quem cozinham palavras e feijões? Adriana Salay, help! "Feijão, dono das tradições", que tese escreveremos sobre o comer de 2022?

 

 

As palavras de Carlos

 

Nos anos 1980, aqueles tempos sombrios de inflação, o feijão sumiu do prato dos brasileiros. Como agora. Também sumiu a carne, o leite e a dignidade de muita gente. Como agora. O que como agora? O poeta Carlos Drummond de Andrade fez poesia sobre o caos e a disputa por um quilo do alimento em "A excitante fila do feijão". Num trecho inicial, decretava: - "Larga, poeta, o verso comedido, a paz do teu jardim vocabular, e vai sofrer na fila do feijão”. No nosso mapa, há fome. 

As palavras que esse outro Carlos, Carlos Gustavo, nos enviou, nos mobilizaram a pensar em símbolos de brasilidade e em brasis possíveis. "Aproximação, banco, fome, benedito, política, café/leite, distância, estrangeiros, Amazônia, exportamos, biodiversidade, rito, mandioca, soja, necessidade, variedade, jeitinho, bocado, antropofagia". Carlos fez um desenho sobre elas, um texto bem semiótico. Cantarolamos com Tico-Tico no Fubá, apresentado ao piano por Nikolas Bueno durante o Centenário da Semana de Arte Moderna de 22 da PUC-SP. 

Pensamos, então, no que caberia no prato de agora. Num prato cênico a ser dividido, rachado ao meio. Que pode comportar o que entra e o que é consumido na medida da largueza do tempo e do "desenvolvimento". Agora a fome é de quê?

Dados sobre a insegurança alimentar divulgados em 2021 pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN) - o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil - nos mobilizaram um bom tanto. Do total de 211,7 milhões de brasileiros(as), 116,8 milhões conviviam com algum grau de Insegurança Alimentar e, destes, 43,4 milhões não tinham alimentos em quantidade suficiente e 19 milhões de brasileiros(as) enfrentavam a fome. 

Engraçado, #sqn, que os especialistas abreviam "insegurança alimentar" como IA. Assim como se abrevia IA para tratar de "inteligência artificial" no campo tecnológico. Para mim, essa relação é tão irônica quanto paradoxal. Antropofágica.

Tup1 0r n0t tup1? 

 

 

 

Assista agora ao vídeo que produzimos, disponível no YouTube!

 

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