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Food styling e fotografia de comida: a estética no prato

Food styling e fotografia de comida: a estética no prato

| Marcas falantes

Érica Araium

Idealizadora de Diálogos Comestíveis, estrategista de branding, marketing e comunicação. Jornalista. Palestrante. Ávida por #MotivosParaDialogar.

Érica Araium

Idealizadora de Diálogos Comestíveis, estrategista de branding, marketing e comunicação. Jornalista. Palestrante. Ávida por #MotivosParaDialogar.


O qué é food styling? O que é a fotografia de comida? Embora pareçam sinônimos, esses são dois lados de uma mesma moeda: a produção estética de alimentos para serem fotografados ou filmados. Para deixar tudo "de comer com os olhos", como sempre frisamos aqui e em nossos cursos. Ambas as técnicas deixam os objetos fotografados mais apetitosos para o mercado, cada um à sua maneira. São complementares, num cenário ideal de produção do tipo. 

Em abril, por ocasião da série de posts da série "Abaporu", sobre o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, convidamos nosso parceiro, o food stylist e consultor gastronômico brasileiro Juliano Albano e a fotógrafa de alimentos portuguesa Nazaret Nascimento a pontuar quais seriam as 20 palavras mais contemporâneas/ verbetes a traduzirem seus ofícios. 

 

 

De certa forma, as coleções particulares de palavras de cada um vieram de forma a se "encaixar": exposição, composição, mágico, enganador, impactante, empoderador, brilhante, embelezado, enaltecido, figuração, criação, melodia, aperaltado, criatividade, transposição, teatral, fascinante, planejamento, paciência, construção, estruturado foram as palavras de Nazaret. Cor, texturas, planejamento, formas, qualidade, insumos, número, estudo, arte, olhar, ângulos, luz, tema, história, meta, sucesso, comunicação, padrão, análise, conexão, as de Juliano.

 

 

É claro que a referência direta à arte, com sua paleta de cores e interferências na medida, nos levou a criar imagens associadas ao trabalho de ambos. Mais à fotografia de alimentos, que sofre menos interferências do profissional na pré-produção (na pós-produção, tem-se outra conversa, algo que Kauê Luz, especialista em tratamento de imagens à frente do Grupo Luz, conhece bem). As fotos que elaboramos dependeram muito das condições de luz natural. 

Já o food styling, aperaltado, espirituoso e divertido que só, nos levou a pensar num palco tão desafiador quanto aquele em que o equilíbrio, a graça, as texturas e as alturas nos prendem vidrados à poltrona de um espetáculo surpreendente. Instigante. E, por que não dizer, perturbador. Há situações publicitárias em que a expectativa e a realidade de um produto alimentício destoam completamente. Ou nos levam, intencionalmente (quando o projeto é mais conceitual) a refletir sobre alguma questão.

Para além da paixão de ambos pelo tema "comida", há outro, sutil e entremeado, a atar o food stylist à fotografia - sem que se atravesse um oceano para isto: a palavra. O desenho da "palavra" na língua portuguesa, especificamente.

 

 

 

Tudo começou em 2010 quando Nazaret Nascimento descobriu sua vocação e começou a combinar a arte de fotografar e o food styling para os mais variados estaurantes em Lisboa. Pouco a pouco, o conceito creseu. A fotógrafa, hoje, pretende se destacar no mercado como um estúdio "pronto para dar resposta a qualquer desafio ligado ao mundo da fotografia/vídeo de comida e food styling".

Já Juliano Albano "inicia sua carreira  durante a faculdade de gastronomia, trabalhando com eventos, e em 2010 inicia sua trajetória com a Consultoria Gastronômica. Em 2012 Juliano estuda em uma das mais renomadas escolas de culinária italiana, o ICIF. Estagia no restaurante do renomado Chef italiano Marco Sacco, o Piccolo Lago e, de volta ao Brasil, dada a necessidade de fotografar os pratos para o cardápio de clientes, se vale da experiência prévia em Artes Visuais e da curiosidade para atuar como food stylist".

 

 


Food Stylig e Fotografia de Alimentos: introdução

(texto originalmente produzido para cursos ministrados por Érica Araium entre 2018 e 2019 e adaptado para este post)

Em 2010, ano de virada de chave para Nazaré e Juliano, o mundo era outro. Justin Bieber, I-Phone-4 cupcakes eram temas em ascenção. O mesmo globo que assistia à Copa do Mundo da África do Sul lamentava pela tragédia no Haiti. A comida livre de glúten, imagine, pautava muitas produções e veículos de imprensa... Pouco se falava em "design gastronômico", muito menos em food design.

Contudo, a fotografia de comida para a promoção de marcas, conceitos e afins pululava, já no inconsciente coletivo desde os anos 1950, quando surge ma aparelho chamado televisão e as primeiras foodstylists das quais se tem notícia.


Se o design gastronômico tem relação mais estreita com o branding, o food styling está mais próximo da semiótica, do discurso, da criação de imagens e, portanto, da fotografia e do cinema. É um campo mais técnico (e objetivo) que conceitual. O food stlylist tem a missão de preparar os alimentos para serem fotografados, filmados ou exibidos. De transformar simples alimentos em objetos de desejo, em representações do que é irresistível. É um provocador dos sentidos. Se pudéssemos traçar um paralelo entre a moda e a gastronomia, com a ajuda das definições macro dos verbetes (Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa Michaelis, versão online), poderíamos dizer que o designer gastronômico se ocupará “em estudar e adaptar novas soluções em matéria de estilo. Será o observador e criador de tendências. Já o food stylist se preocupará com a “maneira especial de um alimento “exprimir-se” por saber do “conjunto de características que o singularizam”.

Veja. Um bom cozinheiro que conheça o design de um polvo jamais sugerirá que os tentáculos, tão orgânicos em forma, sejam dilacerados e escondidos na montagem de um prato de alta cozinha – há casos e casos, claro, mas pondere sobre a forma íntegra. Se food stylist, saberá que o volume do fruto do mar permite, sim, certas “estripulias” em relação à altura. E que corantes verdes ou azuis não servirão como maquiagem ao rubor que, normalmente, o insumo apresenta, naturalmente. O bom food stylist sabe o que “cai bem” em cada “modelo”, entende de combinações originais e não força caminhos para ajustar as peças no “corpo”. Se precisar, no entanto, fará as vezes de “alfaiate” para melhorar o “caimento”.


Coco Chanel. Pierre Cardin. Yves Saint Laurent. Ronaldo Fraga. Oskar Metsavaht. Cada um tem sua assinatura e influências, correto? Vale o mesmo para os food stylists.


enlightenedPENSATA: Todo cozinheiro é um designer de pratos. Nem todo cozinheiro, porém, é um designer gastronômico ou food stylist e vice-versa. Concorda?


A profissão, provavelmente, surgiu após a Segunda Guerra Mundial, no início da Terceira Revolução Industrial, em meados dos anos 1950, segundo a food stlylist norte-americana Delores Custer. Eram as “economistas do lar” (mulheres com diplomas universitários) as responsáveis pelos postos de “produtor de culinária” ou “estilista de alimentos” para indústrias, editoras (livros de receitas) ou revistas. A maioria das peças de comunicação produzidas eram ilustrações. Com o passar do tempo, passaram a atuar como freelancers e se autodenominaram food stylists.


A partir dos anos 1960, com advento da TV em cores e o advento da indústria cultural, bem como da padronização do gosto (cultura de massas), passaram a pulular programas culinários, com direito a propagandas diversas, do merchandising ao placement e mais. À época, as profissionais desenvolveram diversas técnicas para driblar condições adversas de produção em estúdios, como a falta de refrigeradores, ares condicionados e o excesso de luzes que aqueciam os estúdios de produção. Técnicas essas que usamos até hoje.


enlightenedPENSATA: como você faria uma sessão de fotos de sorvete num local sem recursos de refrigeração, como ao ar livre?


A estadunidense Julia Child (1912-2004), aliás, bastante reconhecida entre gastrônomos, estreou na TV em 1963. Anterior a ela, no Brasil, vale recordar a figura de Ofélia Anunciato(1924-1998), culinarista que fez sucesso nas TV’s Tupi e Bandeirantes e teve como produtora culinária assistente Cidinha Santiago, que segue ao lado do apresentador Edu Guedes.


A primeira menção à carreira só seria feita anos, mais tarde, em 1979, pelo jornal New York Magazine. Com o advento da internet, a partir dos anos 1980, a demanda por imagens mais produzidas de alimentos aumentou, consideravelmente. No final daquela década, programas de edição de imagens, como o Photoshop facilitaram o desenvolvimento de peças mais originais e criativas e otimizaram o trabalho das agências de comunicação.


Hoje, pouco se pondera acerca da absurda evolução das lentes e câmeras que possibilitam a captura de imagens estáticas (fotos) ou vídeos para as mais diversas finalidades, inclusive a de publicar-se nas redes sociais. Contudo, vale lembrar que, ao longo do percurso histórico do food stylist, inúmeras oportunidades de atuação surgiram.


O profissional pode atuar junto a indústrias de alimentos e bebidas e a marcas de alimentos e restauração, de maneira geral, zelando pela preparação de conteúdos dedicados de marca (branded content) e conteúdos de marketing (branded content); e no meio comunicacional, de forma geral, em parceria com agências de publicidade e propaganda nos mais diversos formatos (convencionais ou digitais) a fim de produzir imagens para os meios impresso (folders, banners, cardápios, outdoors etc.), cinematográfico (comerciais, filmes, web séries, séries etc.), de animação (prototipagem para games e “jogos” de realidade ampliada, muitas vezes usados em restaurantes que propõe experiências gastronômicas); em editoras (livros, guias, revistas etc.), no meio jornalístico ou comunicacional (editoriais para revistas segmentadas e afins); no meio artístico (gastroperformances, congressos gastronômicos, feiras e concursos); junto aos setores turístico e de fitness (ao lado de influenciadores digitais ou para promover negócios fitness); no mercado de eventos (ambientação comestível de festas); no mercado pet (o mercado de alimentação natural para pets está em voga)... 

 

 

 

 

Se produzir, não coma!

 

Importante frisar que um alimento manipulado pelo profissional (food stylist) jamais deve ser consumido ou servido. Isso porque, em muitos casos, são utilizados materiais diversos e produtos químicos não comestíveis para conferir mais volume, brilho ou beleza aos insumos. Óleo de caminhão, limpa vidros, palitos de dente e de sorvetes, placas de isopor, placas de papelão, tintas diversas, espuma de barbear, cola são alguns dos inúmeros produtos utilizados para essa finalidade. 


Imagine, então, que você, cozinheiro, foi contratado para preparar um cereal matinal para uma campanha digital da famosa marca Kellogg's, em uma hora. (!!!) Significa dizer que terá de auxiliar o fotógrafo da agência contratada pela marca (neste caso, seria um especialista em gastronomia, sem dúvida; mas, em muitas circunstâncias, isso não é regra). Terá de compreender o conceito (briefing), selecionar os melhores cereais do produto fornecido pelo cliente (sim, fazer o casting dos milhos flocados Sucrilhos), escolher a melhor louçaria, pensar em cores que representem a marca com a qual está trabalhando, compor os objetos de cena que traduzam o “mote” da campanha, etc.


Ora, o tema “café da manhã” pode representar diversos contextos e servir a infinitos gatilhos mentais e apelos emocionais. O food stylist precisa saber exatamente a ideia que precisará “vender” para executar o trabalho de forma precisa. Por exemplo. A refeição matinal pode ser “em família” (convencional/ diversa/ causa em voga), para “dar força no dia-a-dia” (nutrição e praticidade para o adulto/ enriquecedores para as crianças/ executivo), “romântico” (relacionamento amoroso/ novas famílias), “de super herói” (masculino/ atlético/ ligado a marca licenciada), “no campo” (montanha/ praia/ em casa/ piquenique), “intimista” (solitário/ musical/ comfort food). Entre aspas, aparacem representados os conceitos macro e, entre parênteses, as derivações amparadas em contextos, datas especiais, apelos de marketing e vendas etc. As combinações são infinitesimais, concorda? Por isso, a importância do briefing e o conhecimento de design de pratos/ design gastronômico e de técnicas fotográficas aplicadas.


É bastante raro o food stylist trabalhar sozinho na produção. Normalmente, algum representante do cliente ou, no mínimo, da agência de comunicação parceira, estará por perto para acompanhar e aprovar todo o material com ele e o fotógrafo, em tempo quase real. Com os recursos tecnológicos disponíveis hoje, isso é muito fácil de ocorrer. Também é comum que o fotógrafo assuma a liderança quanto à ordem do cronograma de filmagem/ fotografia: ele depende da luz e saberá qual o melhor momento para montar os equipamentos de que precisará para 1 ou 20 fotos em sequência.


Na grande maioria das vezes, considerando-se o contexto brasileiro e de metrópoles como São Paulo ou Rio de Janeiro, o food stylist recebe orientações de forma presencial (reunião de briefing) virtual (escrita, em vídeo etc) e, depois de realizar testes de receitas com base nas fichas técnicas fornecidas ou desenvolver receitas com os produtos sugeridos, desenhar os croquis, prototipar as ideias e fazer o check list de materiais que serão utilizados na montagem e produção de fotos, ainda de forma privada, passará ao desenvolvimento da cena.


É preciso antecipar os problemas, considerá-los no Plano de Ação (A), que deve apontar todas as variáveis envolvidas. Ter um plano B não é escolha: é regra. 


“Food is like children. It doesn't like to behave in front of company”. (Dolores Custer, food stylist)

 

 

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