Design e produção cultural no Brasil pós-moderno
Design e produção cultural no Brasil pós-moderno
Érica Araium
Idealizadora de Diálogos Comestíveis, estrategista de branding, marketing e comunicação. Jornalista. Palestrante. Ávida por #MotivosParaDialogar.
Érica Araium
Idealizadora de Diálogos Comestíveis, estrategista de branding, marketing e comunicação. Jornalista. Palestrante. Ávida por #MotivosParaDialogar.
O design e a produção cultural contemporâneos brasileiros carecem de atenção. Putz, e como. Num mundo imagético, próprio da reprodutibilidade técnica e da sociedade da espetacularização e do descontrole, tudo parece um "já vi". Nada soa original no contexto pós-moderno. Nem as imagens que criamos especialmente para ilustrar o que sigificam "produção cultural" e "design brasileiro" para dois artistas contemporâneos: Felipe Ribenboim (chef e produtor cultural, além de sócio do seminário Fruto) e Érika Pozetti (ilustradora e designer).
A imagem é uma forma de escrita. Mas temos andado sedados pela mediação feita pela mídia (ou pelos mídia), que nos empurra milhares de imagens. Sabe aquele tempo de pensar e chegar a uma conclusão crítica sobre o que vemos? Não existe mais. Tudo está fragmentado, deglutido, sintetizado em pílulas idiotas de entretenimento. "Nossos artistas dos anos 1920 falaram da antropologia cultural contra todos os colonialismos. Nossa era contemporânea pratica a iconofagia: ou nós devoramos as imagens ou são elas que nos devoram", resume o Doutor em Ciências da Comunicação Norval Baitello Júnior em "A Era da Iconofagia" (editora Paulus, 2014).
O que a palavra "design" evoca em você? Todas as alternativas são possíveis, inclusive dizer que a estética do gosto depende do design. E que gostar ou não gostar de arte ou design depende do design - da mídia, da comunicação e mais. De como as coisas chegam até você, que é convidado a "escolher" algo por meio de um estímulo.
O Brasil só descobriu o design no final da década de 1980. Antes, as referências eram todas ao "desenho". Mais precisamente, ao desenho industrial. O pernambucano Aloísio Magalhães, por exemplo, é um dos personagens mais importantes do nosso "desenho" - fez sucesso nos anos 1960 e desenvolveu a identidade visual de marcas como TV Globo e Bienal de São Paulo. Lembrado pela designer e ilustradora Érika Pozetti (Mix Design) em seu punhado de palavras cedidas ao projeto Diálogos Comestíveis, Magalhães nos serviu como centelha a outras conexões. Caso da arquiteta e antropóloga Lina Bo Bardi, italiana radicada no Brasil e ícone adiante de obras como Museu de Artes de São Paulo (MASP).
Esses e outros artistas brasileiros nos levaram a ponderar quão influente foi movimento modernista, literário em essência, para o design brasileiro, igualmente afetado pelo tropicalismo de expoentes brasileiros como Hélio Oiticica. Se olharmos de revés, ainda, teremos o movimentoitaliano futurista, o cubismo de Pablo Picasso e o surrealismo de Salvador Dali e espreitar as intenções de muitos artistas.
Para criar o vídeo que apresentamos aqui, fomos da dança de geometrias e minimalismos de Magalhães à brincadeira engenhosa de Alexander Calder (1898–1976) e seus "móbiles", nomenclatura sugerida pelo ícone do dadaísmo, o francês Marcel Duchamp, para aquele tipo de trabalho. Em francês, a palavra “mobile”, aliás, se refere, ao mesmo tempo, a movimento e a "motivo", o que nos deixa efusivos. Para Calder, aqueles pedaços de arame coordenados eram metáforas ao diálogo possível entre materiais. Sempre elementares, mínimos. Coloridos com a exatidão do "essencial".
Com as esculturas cinéticas inventadas, tecia relacionamentos reais no espaço. Fazia poesia. Arte para ser apreciada no ar. Foi o que tentamos fazer com as palavras que Érika nos cedeu. Nelas, penduramos alguns dos sentidos que o design reverbera em inúmeras outras expressões artísticas. O eterno "inacabamento", que muito nos apetece, nos permitiu traçar outras analogias.
O móbile que utilizamos na produção foi comprado após uma apresentação da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), em 2021, na lojinha da Sala São Paulo. Lugar moderno e, claro, com traços modernistas, por onde se chega, também, pelos trilhos da Estação Júlio Prestes da CPTM. Lá, está “Alvorado”, um móbile de placas de polietileno pendurado a 4 metros de altura, doado pelo violoncelista da Osesp Bráulio Lima em 2016.
"When an artist explains what he is doing he usually has to do one of two things: either scrap what he has explained, or make his subsequent work fit in with the explanation." (Alexander Calder).
Tenho a palavra, Calder e Miró tatuados na pele. E o desejo tão demodé e tão pós-moderno de semear a paz em nossos #MotivosParaDialogar. Talvez este post sirva pra isso. Continua abaixo da imagem, que contém um link para o vídeo que produzimos! Assista!
DOCES CABEÇAS FALANTES
Já Felipe Ribenboim produziu diversas exposições sobre o alimento. E já propôs uma série de diálogos sobre o alimento - caso do Seminário Fruto, projeto iniciado em 2018 e que teve três edições presenciais até aqui. Diálogos Comestíveis - porque todo comer é você quem desenha, traz o estudo de caso da primeira edição. <Confira o livro aqui>
Uma exposições das mais completas e provocadoras foi "Alimentário", cujo objetivo era ponderar sobre o patrimônio alimentar brasileiro. O projeto estreou no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - MAM RJ, em 2015, e foi posteriormente exposto em São Paulo, na Oca do Parque do Ibirapuera.
Havia "textos, documentos históricos, objetos etnográficos, pesquisas da culinária contemporânea, fotografias e vídeos documentais em um esforço de construir uma narrativa e uma história a partir de múltiplas referências, olhares e abordagens. Para isso cerca de 150 peças integraram a mostra, provenientes de diversas coleções particulares e públicas, como Pinacoteca do Estado, Coleção Brasiliana Itaú, Biblioteca Mindlin, Museu Lasar Segall, Museu do Índio, Museu Afro e Museu Nacional de Belas Artes, entre outras, além de instalações especiais. A proposta foi envolver os visitantes em uma ambientação que despertasse a memória afetiva e visual de cada um". Mais detalhes sobre o projeto podem ser conferidos no site da produtora cultural Base 7.
Entre as obras que integraram a exposição, à época, Cabeças de Açúcar, do artista visual baiano Caetano Dias (2014), sempre me chamou a atenção. Porque dizia da dureza e da doçura do ciclo da cana-de-açucar. Era uma espécie de retrato do Brasil colonial. Porque ilustrava o "preço" do trabalho escravo. Em 2007, o artista já havia apresentado esculturas em açúcar fundido, feitas com moldes de voluntários de varias etnias. Porque me lembrou, também, o pensar gastronômico de Simone Mattar retratado em 35 Fragmentos, que acompanhamos na estreia, em 2016.
Hoje, somos escravos de outros mecanismos, globais. Produzir conteúdo, por exemplo, virou "regra" - ainda que não se domine qualquer técnica formal.
Hoje, as cabeças andam um tanto quanto açucaradas, mas noutro sentido. O sentido dos excessos que tanto prejudicam as sinapses, o pensar. Açúcar, sal e gordura, essas substâncias scravizadoras dos tempos líquidos de agora, especialmente, são capazes de detonar o cérebro (e, por consequência, o corpo). A indústria alimentícia tem se preocupado em reformular seus produtos também por isso, desde 2017. Os hábitos de consumo, felizmente, tem mudado e, claro, as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS): para ela, o consumo de açúcar livre deve corresponder a menos de 5% da ingestão calórica total do dia.
Hoje, as cabeças andam um tanto quanto mais esbranquiçadas - entenda como é necessário entender. Refinadas, mas no mais controverso dos sentidos. Por isso, pensamos em escrever alguns lembretes nas testas dessas cabeças ocas, lotadas de informação irrelevante.
Ao ponderar sobre "produção cultural", Felipe trouxe à tona palavras como "tradição", "expressão", "sabedorias", "identitário", "tempo". Aglutinadas, elas nos levaram às origens da brasilidade e de suas expressões. E nos lembraram dos acentos portugueses de uma nau de descobrimentos que, até hoje, nos perturbam. Temos "Doces Cabeças Falantes".
É preciso produzir cultura.
ESTÍMULO NFT
Com tantos estímulos, como ficará a arte no metaverso? Supostamente, o "token não fungível" (NFT) serve para para dar aos artistas mais controle financeiro sobre seu trabalho e garantir que eles se beneficiariam do valor de revenda de sua arte. E já há projetos de restaurantes para o ambiente do metaverso, caso do Flyfish Club. Um NFT da marca garantiria ao comprador "acesso ilimitado a uma sala de jantar privada que se estenderá por mais de 10.000 metros quadrados em uma localização icônica da cidade de Nova York". Coisa para foodie com tempo e dinheiro, algo cada vez mais raro.
Segundo a Eater, chefs como Tom Colicchio estão minerando pizzas NFT, receitas e até garrafas de gim de edição limitada. Será que o resto do mundo (e não só o mundo gastronômico e foodie) está junto para uma viagem dessa proporção em tempos pandêmicos e de conflitos armados?
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