Cidinha Santiago, a alegria do forno e fogão na TV brasileira
Cidinha Santiago, a alegria do forno e fogão na TV brasileira
Érica Araium
Idealizadora de Diálogos Comestíveis, estrategista de branding, marketing e comunicação. Jornalista. Palestrante. Ávida por #MotivosParaDialogar.
Érica Araium
Idealizadora de Diálogos Comestíveis, estrategista de branding, marketing e comunicação. Jornalista. Palestrante. Ávida por #MotivosParaDialogar.
Cozinheira. Negra. Educadora. Figura pública dos programas de culinária. Cidinha Santiago é uma mulher à frente de seu tempo. Empoderou-se. E prevalece na televisão brasileira mais de 30 anos, a despeito dos tantos gestos de sentido modificados pelo espectador - cada vez mais multitelado, über conectado, transmídia e acostumado, como no tempo dos pais e avós, a assitir a alguém cozinhando na TV. Post checado em 02 de março de 2021.
Dialoga com todas as gerações pela comida, que ensina a preparar ao-vivo desde os tempos de "Cozinha Maravilhosa da Ofélia", na TV Bandeirantes. Em 1985, chegara a São Paulo para cuidar do íntimo forno e do fogão da apresentadora. E, devagarzinho, passou a cuidar, também, do forno e fogão de milhares de brasileiros. Cidinha sente saudades da apresentadora, como muitos fãs, desde 1998. Pois é. Já se passaram 20 anos desde a ausência. E, há 19, a primeira faculdade brasileira de gastronomia nascia: Anhembi Morumbi, em São Paulo.
Apesar de os pontos conquistados no Ibope fazerem muito sentido à audiência e à propaganda - que suporta, ainda hoje, ainda que de outras muitas maneiras, o entretenimento e as aulas-show filmadas - foram 300 os pontos de contato mais significantes da vida.
Pouco se falou de uma Cidinha Santiago educadora, no sentido mais convencional do termo, que, à sua época, plantava e colhia com os meninos e meninas que, agora, nem ralham ao comer brócolis nem questionam a importância da preservação da biodiversidade. O comer, para esses, talvez seja mesmo verbo em ação. Verbo que pressopõe uma sequência árdua de acontecimentos para que o prato esteja à mesa e, em volta dela, uma celeuma de discussões familiares e afetivas, uma rede de afetos.
Nesta entrevista a Diálogos Comestíveis, colhida em meio a um diálogo conduzido por duas horas e meia e um dia inteiro dedicado à partilha, Cidinha revisita os caminhos que percorreu entre Juiz de Fora (MG), onde nasceu, a São Paulo e ao mundo. Entre a mineira casinha de sapé de outrora e a paulistana casa de agora, forrada de memórias. Entre a cátedra e seus formalismos e o empirismo e a prática do cozinhar. Entre a gastronomia e a culinária. Entre a arte e o gesto carinhoso e familiar. Entre Cidinhas.
No vídeo, uma prosa solta em pouco mais de 39 minutos. Aqui, um trecho curioso sobre a relação entre Cidinha e a mídia e o papel que ela exerce na divulgação da gastronomia sustentável (no vídeo, confira a partir do minuto 30).
Ah! Sim. Há 15 anos, ela está ao lado de Edu Guedes, dono do Edu Guedes e Você, desde fevereiro, na Rede TV.
Diálogos Comestíveis (DC) - A internet mudou o contexto da sua relação com o espectador? Nos anos 1990, com a globalização e a consolidação da comunicação pela rede mundial de computadores também no Brasil, tem-se uma outra "cozinha que passa na TV"? Você sentiu esse movimento?
Cidinha Santiago (CS) - O movimento é bruto. Mas, por outro lado, valorizo minha cozinha, valorizo a cozinha brasileira, gosto da cozinha internacional. E estive no comecinho das universidades. Nessa época em que Ofélia Anunciato morreu (1998) nasce a Anhembi Morumbi. Mas já tinha a Renascença (Colégio Hebraico Brasileiro Renascença), onde dei aula de escultura em legumes. Fui uma das pessoas que foi estagiar no Maksoud Plaza Hotel, onde conheci todos os franceses (que estavam chegando ao Brasil, como mostra o documentário Por Que Você Partiu?, de Eric Belhassen, 2013) que estavam chegando ao país, como Emmanuel Bassoleil, Claude Troisgros, Erick Jacquin, Laurent Suaudeau. Todo esse pessoal me abraçou. O movimento é bruto e eu dizia, "vamos aprender, vamos aprender, vamos ensinar, vamos ensinar". Fui a Anhembi Morumbi ensinar escultura em legumes, à época. Foi a primeira vez que trabalhei em conjunto com meu marido, que é artista plástico. Ele fez os desenhos das esculturas que eu montara para ilustrar as apostilas de escultura em legumes. Isso ficou para cozinha de navio, já estava saindo de moda.
DC - Os chefs franceses influenciaram de alguma maneira o trabalho que você fazia na TV?
CS - Eu levei um pouco essa coisa de decorar mais os pratos. Aquela rosinha de tomate ficou conhecida por muita gente. E, com a Ofélia, fazia muitos empratamentos diferentes, sofisticados. Hoje faço isso muito na montagem da mesa. Vejo que alguns programas estavam gostando do que vim fazendo.
DC - Quando começam as interações por email com os espectadores?
CS - Já nos anos 1990. Era muito pelas cartas e eu guardo muitas cartas. Mas eu fui me adaptando. Aprendi um pouco com a Luana (filha) e fui fazer alguns cursos. Para pelo menos poder mexer. Não sou ainda expert, mas não sou "analfabyte". Foi muito rápido. Nessa época, ainda na TV Bandeirantes, eu fazia culinária brasileira, toda segunda-feira. E não havia o acesso às coisas como agora. Eu fazia culinária regional na TV. O pessoal mandava para mim tanto as receitas quanto os produtos. Davam um jeito. Não era fácil. São Paulo é mais fácil, pois há locais como o Mercado de Pinheiros, o Mercado Municipal, o Mercado de Tucuruvi que conta com insumos interessantes.
DC - O MasterChef mudou as relações do espectador com a culinária e os cozinheiros. Como você vê que a mídia retrata hoje a cozinha brasileira?
CS - Vejo de positivo que todo mundo resolveu entender de TV. Antigamente, você chegava numa roda de homens e eles só falavam de futebol. Hoje. falam de comida, de receitas, de MasterChef. Acho legal. Para a meninada que está chegando, influencia muito. Comigo, tenho o chef Renato Pires, que trabalha comigo na Rede TV. É positivo. Não só como entretenimento. Precisamos valorizar um pouco mais. Sentimos que a nossa cozinha está mais valorizada. Sempre tive isso presente porque tenho amigos estrangeiros e eles me diziam que não entendiam por que o brasileiro não dava tanta bola para as comidas maravilhosas que temos, mas para o fast food. A nossa feijoada, o nosso frango com quiabo trazem milhões de histórias e valores. Precisamos cozinhar mais.