Conectar a cadeia e ampliar o diálogo

“Em 10 anos a área da pesca desaparece”. Com um tom triste e um olhar baixo sem perspectiva para o futuro, o Sidónio Sousa (50), dispara que na Ilha da Madeira, em Portugal, a pesca está envelhecendo, assim como os pescadores. Os jovens não têm interesse em seguir a profissão, nem mesmo seus filhos, diferentemente dele que começou aos 13 anos e até hoje é sua única fonte de sobrevivência.

Nascido no arquipélago português, o pescador tem orgulho em mostrar seu barco, ancorado na Lota do Caniçal, na Ilha da Madeira, em Portugal. Sendo uma robusta embarcação, ele navega em mar aberto por dias, entre os Açores e as Canárias, com uma tripulação formada por aproximadamente 20 homens. 

enlightened Este post é resultado de uma conexão bastante forte entre a Casa Gastronomia e Diálogos Comestíveis. Pensamos já tanto sobre a Década dos Oceanos que convidamos as idealizadoras do projeto português para contarem um pouco sobre o que elas veem da pesca artesanal - ou do remanescente desta atividade - na Ilha da Madeira, em plena época de pescaria lá no outro lado do Atlântico. Também escrevemos um artigo inédito, bastante inspirados. Estes escritos são o registro de um "cardume" buscando #MotivosParaDialogar e famintos por mais pensatas como esta. Leia agora a reportagem da Casa Gastronomia. 

Sidonio Sousa, pescador, na Lota do Caniçal, em Portugal
O pescador Sidónio Sousa (50) tem orgulho em mostrar seu barco, ancorado na Lota do Caniçal, na Ilha da Madeira: varas de bambu ainda garantem a pesca sustentável por lá. Fotos: Casa Gastronomia

 

Todos enlatados como sardinhas, no barco, mas muitos sedentos em pescar os maiores atuns, de preferência o rabilho e o patudo, pois são os peixes com maior valor de mercado e podem chegar a cerca de dois metros de altura e ultrapassar os 250 quilos. Eles ainda seguem a tradição de utilizar varas de bambu, sendo uma prática mais sustentável

A milhares de quilômetros dali, na Baía de Todos os Santos, Brasil, a pesca também é uma atividade econômica e para muitas famílias de subsistência. Ao chegar no porto, do subúrbio de Salvador, o pescador faz trocas de baldes de peixe por feijão e escambo por outras mercadorias. Os principais pescados da região são a tainha e a sardinha, ambas têm valores de mercado muito baixos e chega a ser comercializados por R$1,00 o quilo, na chegada ao porto. Nos mercados da capital baiana, ela pode chegar a 20 vezes a este valor. 

Um dos grandes problemas da desvalorização da venda, destes peixes, no início da cadeia é a necessidade de pescar mais em menor tempo e com isso muitos pescadores acabam por utilizar explosivos para a atividade. O que uma pesca tradicional levaria em torno de cinco horas, com bombas este tempo é reduzido para 30 minutos a uma hora

Sendo um tipo de pesca predatória, por utilizar explosivos, ela é caracterizada como um crime ambiental, na legislação brasileira, mas sobretudo uma agressão irrecuperável ao meio ambiente com diversos impactos negativos, como a degradação ao ecossistema que vai comprometer toda a cadeia alimentar e reprodutiva. E no final, é fácil perceber onde tudo acaba sem a vida marinha. 

 

Rastrear os alimentos é descobrir detalhes sobre a cadeia do alimento: de onde vem o pescado que você serve aos seus comensais?

Rastrear os alimentos é descobrir detalhes da cadeia: de onde vem o peixe que você serve aos seus comensais?


Não são apenas números 

 

Em 2020, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), apresentou o seu famoso relatório sobre a pesca e a aquicultura no mundo, chamado “The State of World Fisheries and Aquaculture” ou carinhosamente apelidado de SOFIA. Este documento traz conhecimento de pesquisas e dados, e nos mostra o tão complexo e macro são as questões que envolvem os mares e oceanos e a dependência sócio-econômica de muitas culturas diante deles. 

Nele, a FAO apontou que a produção global de pesca (isolando a aquicultura e plantas aquáticas) atingiu números históricos de 96,4 milhões de toneladas, em 2018. Deste número, cerca de 50% correspondem a pescas de pequena escala e artesanal, tendo mais de 50 milhões de pessoas envolvidas nesta atividade econômica. Poderíamos dizer que juntando a população de Portugal, Grécia, Bélgica e Chile elas seriam todas dependentes da pesca como fonte de renda. 

 

Atum: entre os peixes mais cobiçados do mundo, retirado das águas do mar na Ilha da Madeira
Atum: entre os peixes mais cobiçados do mundo, retirado do mar, na Ilha da Madeira


Ventilar para novos ares 

Lançado em março deste ano, o SeaSpiracy, do diretor Ali Tabrizi, é um documentário que apresenta muitas denúncias sobre a pesca industrial ao longo dos 90 minutos, no Netflix, que vêm acompanhadas de polêmicas, que abrem espaço para muitos debates sobre o impacto desta atividade comercial no mundo. 

Uma das soluções propostas pelo documentário é parar de comer peixe. Sem dúvida as nossas escolhas de consumo em massa ditam a indústria. Se o consumidor não compra não há produção. Simples, mas não é bem assim e nem com respostas simplistas que vamos resolver tantos problemas que esta atividade envolve desde o extermínio de animais, escravidão, abusos de direitos humanos e poluição ambiental. 

Como exterminar uma atividade que envolve uma cadeia produtiva imensa, formada por pessoas, como o senhor Sidónio ou os moradores da Baía de Todos os Santos, e tantas outras culturas, que dependem da pesca como atividade de subsistência e único ofício, o que não é citado no documentário, mas que tem um percentual muito relevante, citados pela FAO. 
 


Post publicado no perfil do Instagram da produção original da Netflix: a dura realidade dos mares


 

Não temos respostas, mas queremos dialogar 


Parar simplesmente de comer peixe não soluciona todos os problemas, muito pelo contrário, gera novas lacunas sem soluções. Para nós da CASA GASTRONOMIA as pessoas são muito importantes e não podemos desprezá-las e torná-las apenas números. Por isso não faz sentido pensar sozinho sobre milagrosas respostas ou caminhos, mas sim construir em conjunto. São pessoas que fazem parte de todos os contextos desta cadeia e são através delas com seu conhecimento e experiências que podemos romper barreiras e ampliar os diálogos. 

Desta forma, acreditamos na construção de uma inteligência coletiva. Este é o nosso mindset, porque não temos respostas mas queremos construí-las em conjunto  e seguir caminhos que passam bem longe das ondas simplistas para dar aquele mergulho em diálogos mais profundos, como por exemplo, o tema  a “Década dos Oceanos”.

 

A Casa Gastronomia está de portas abertas

Com o pressuposto de criação em conjunto e propósito de conectar a Cadeia de Valor da Gastronomia, a Casa Gastronomia nasceu em janeiro de 2021, sendo uma conexão entre Brasil e Portugal. Ela é um lugar sem fronteiras, com a porta sempre aberta e uma mesa que convida a sentar-se, onde todos podem aprender mais e beneficiar do conhecimento coletivo. As suas áreas de atuação se dividem em quatro, sendo elas a comunicação, aprendizagem, eventos e serviços. Mais informações: https://bityli.com/portaabertacasa ou o Instragram @_casagastronomia_

 

 

 

 

 

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