Paulina Chamorro, uma voz pelo oceano

Jornalista, ativista ambiental e uma das maiores vozes em defesa do planeta. Conversamos longamente com Paulina Chamorro. Falamos dos mais de 20 anos de cobertura dedicada aos temas socioambientais, da importância da informação e do rádio, do podcast Vozes do Planeta, da super Liga das Mulheres pelo Oceano (da qual fazemos parte), das causas pelas pessoas, pelo oceano e pelo alimento. Com ela, sempre teremos #MotivosParaDialogar e pautas para resenhar! À luta! Ouça enquanto lê a nossa transcrição! 

Paulina Chamorro (Foto: arquivo pessoal)
Paulina Chamorro (Foto: arquivo pessoal)

 

Diálogos Comestíveis (DC) Março é um mês de celebrações importantes e, também por isso, pensamos em você para estar conosco neste baita mês em que se comemora até o Dia Mundial da Água (22/03). Sua trajetória, como você mesmo nos lembra, é de uma mulher que se ladeia a outras mulheres, às vezes em liga, às vezes em rede, sempre pela conservação. Você tem noção de quão inspiradora é e, ao mesmo tempo, da responsabilidade que carrega?

Paulina produziu o projeto Mar sem Fim, percorrendo de veleiro por 3 anos toda a costa brasileira e com transmissão pela TV Cultura. Percorreu, ainda, a Amazônia brasileira para contribuir à documentarista Celine Cousteau. Recebeu duas vezes o Prêmio Socioambiental Chico Mendes, como melhor programa de rádio. Em 2016 recebeu a Medalha João Pedro Cardoso, condecoração do Governo do Estado de São Paulo, a única distinção ambiental do país, pela atuação na comunicação sobre cultura e meio ambiente. Em 2019 recebeu o título de cidadã paulistana pela Câmara de Vereadores de São Paulo. Tem o podcast Vozes do Planeta (no ar desde 2016), é cofundadora da Liga das Mulheres pelos Oceanos, um movimento feminino de luta pela conservação dos mares, e colaboradora fixa da National Geographic Brasil desde 2017, produzindo reportagens e conteúdo para o projeto Planeta ou Plástico e desde 2019 sobre o projeto-reportagem Mulheres na Conservação.

 

Paulina Chamorro (PC) – Obrigada pela oportunidade de conversar. Realmente março um mês bastante especial porque junta três elementos muito importantes. A mulher, de lembrar que é um mês de luta. Também o Dia Mundial das Florestas que é na véspera do Dia Mundial da Água e mostrando como tudo está conectado e como cada elemento é importante nesse Planeta. Sobre a sua pergunta se eu tenho noção da sobre ser “inspiração”. Acho que não. Mas eu tenho noção da minha responsabilidade. Há bastante tempo, participei de uma série de entrevistas sobre quem eram repórteres aqui no Brasil e tive a oportunidade de fazer um pouco essa reflexão. Acho que existe uma responsabilidade não especificamente da Paulina, mas de quem trabalha com comunicação e de quem tem um espaço conquistado. Eu tenho noção da responsabilidade a partir do momento que fui conhecendo e ganhando espaço num veículo apaixonante que é minha paixão realmente que é o radio. E que leva a voz das pessoas na para outros lugares. Que não é só uma comunicação de nicho. Então, a partir do momento que eu conquistei esse espaço, veio junto essa responsabilidade. Muito mais do que ser conhecida e ser reconhecida. Hoje eu sinto essa felicidade de poder ser reconhecida no que eu faço e depois de duas décadas trabalhando com temas socioambientais, ver, finalmente, que eles, infelizmente pela urgência, têm ganhado esse espaço. E quem fala sobre esses temas socioambientais também tem tido esse reconhecimento.

DC - Gostaria que comentasse um ou dois episódios jornalísticos marcantes que, hoje, você pode dizer que a transformaram profissionalmente a ponto de desistir (ou abdicar) da cobertura de outras editorias.

PC – Acho que nunca aconteceu esse momento. Eu já nasci dentro do jornalismo na temática socioambiental. Sou uma pessoa muito afortunada de ter feito algumas escolhas e tive a oportunidade de trabalhar nelas. Quando estava no segundo ano da faculdade, já estava escrevendo textos. E estou falando de 1997, 1998. Então, nos primórdios da internet, trabalhei num site chamado Super 21. Ali, já escrevia sobre temas ambientais e me convidaram para escrever sobre temas ambientais. Quando entrei na faculdade, prestei para oceanografia e para jornalismo. Passei em jornalismo. E, ali, eu tinha duas vontades: ou ser correspondente de guerra de grandes fatos humanos ou trabalhar na National Geographic ou na revista Caminhos da Terra que, naquela época, era a “National Geographic Brasileira”. E eu ouvia muito a rádio Eldorado. Era uma rádio muito peculiar. Hoje já não é tanto, mas era uma rádio bastante interessante porque tocava uma variedade musical muito legal, muito importante e, ao mesmo tempo, via temas de aventura e temas sobre natureza. Achava aquilo muito curioso para uma radio. Em 1998, tive a oportunidade de entrar na Rádio Eldorado. Então eu já entrei com 20 anos, produzi minha primeira série de reportagens sobre temas ambientais que era sobre um refugiado. Por um tema Ambiental. Um venezuelano que veio se abrigar aqui no Brasil por defender golfinhos. Depois, passei a fazer uma série de reportagens sobre quilombos no Brasil, depois sobre o Pantanal e nunca mais parei. Então eu comecei e até hoje trabalhei na cobertura de temas socioambientais. Sobre episódios jornalísticos marcantes? Posso dizer sobre o Projeto Mar Sem Fim. Foi uma grande reportagem foram quase três anos a bordo de um veleiro, do Oiapoque ao Chuí, com oportunidade de conhecer todas as entradas e barras de rios deste país. E a partir do zero desenvolver pautas. O barco parava em alguma cidade e eu desembarcava. Também era produtora e repórter do projeto. Então, desembarcava e, a partir de conversas, eu ia definindo ali qual seria a pauta daquele local, daquele espaço. Realmente uma oportunidade única de conhecer o Brasil e de retratar temas socioambientais a partir de uma realidade que a gente estava vivendo. Foi importante na minha vida. E outro fato que eu gostaria de destacar foi um que acho bastante traumático. Em 2014, eu conheci o Zé (Castanha) em um evento do TEDx Amazônia. Zé, um castanheiro, um líder castanheiro. Naquele momento, para minha surpresa, muita gente não quis fazer entrevista. Achei a história dele, que era de luta, de defesa da castanheiras no Pará, muito forte. No dia que eu fiz a entrevista com ele, através de um amigo em comum que me apresentou, ele já estava com 30 boletins de ocorrência na polícia dizendo que as ameaças que ele vinha sofrendo. E o último caminho que ele tinha enxergado era falar com a imprensa, denunciar. Fiz uma entrevista, ele falou sobre o poder da castanha, falou sobre a “majestade”, que era a árvore mais emblemática para ele, a castanheira que me chamava de majestade. Foi uma entrevista muito importante, muito impactante falando do papel do extrativismo também na Amazônia. Doi sou três meses depois, estava no metro, em São Paulo, indo para o Estadão. Na época, trabalhava no Estadão. Me liga o Felipe, esse amigo que nos apresentou, dizendo: “mataram mataram o Zé e a Maria, que era a mulher dele (José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo). Então ele é muito emblemático. Porque, até então, eu tinha colocado duas vezes no ar (a entrevista). Depois, tentei fazer uma matéria sobre isso alertando sobre essas ameaças que ele vinha recebendo e não tive muito espaço. Então aproveitei o meu espaço no meu programa para reprisar inclusive essa entrevista. E não adiantou. Então, para mim, é muito traumático porque pode ter sido uma das últimas entrevistas que ele deu a uma pessoa. Infelizmente, o Brasil é um dos países que mais mata pessoas que defendem a floresta no mundo. E essa foi uma das histórias mais próximas que eu pude sentir. Logo depois, conheci outras histórias e e entrevistei outras pessoas. Por exemplo, em Tabatinga, no Amazonas que há uns dois, três anos, também Max foi foi morto. A violência no campo, que é na floresta, é muito grande. É muito triste e impotente, pelo menos da parte da comunicação, a gente, mesmo com todos esses alertas, não impedir isso.

 

Uma velha rede de náilon prende como numa armadilha a tartaruga-cabeçuda no litoral espanhol, no Mediterrâneo. Foto de Jordi Chias. Reprodução da Web.
Uma velha rede de náilon prende como numa armadilha a tartaruga-cabeçuda no litoral espanhol, no Mediterrâneo. Foto de Jordi Chias (reprodução da web).

 

DC – Como você vê a iniciativa da ONU em decretar esta a “Década dos Oceanos” e com essa iniciativa repercute em seu trabalho jornalístico e no trabalho da Liga das Mulheres Pelo Oceano?

PC - Essa é uma iniciativa da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e ela vem já desde 2017. Na verdade, a década da Ciência Oceânica é muito mais do que só “o oceano”.  É sobre conhecimento do oceano. A gente conhece 10%, hoje, do que o oceano pode nos oferecer. É muito pouco e existe uma máxima, que é muito real ainda, de que a gente conhece mais de Marte do que Oceano. É muito louco pensar nisso porque o oceano nos deu a vida e, se você for pensar, o Oceano é responsável por metade do oxigênio que a gente respira. Abriga a maior parte da vida natural do planeta, a maior biodiversidade do planeta. O oceano dá alimento para bilhões de pessoas e é um regulador climático. E, mesmo assim, a gente conhece só 10%. Então, há o chamado da década da ciência oceânica. Nesse sentido, como fazer a gente ter mais conhecimento? Não é só falando da ciência acadêmica. Mas da ciência cidadã, do conhecimento tradicional e de como isso pode ser reconhecido. Como isso pode ser disseminado e como é que isso pode ser espalhado para toda a sociedade? A Década da Ciência Oceânica tem também o fator de não deixar ninguém para trás. Ou seja como incluir no conhecimento no saber e na importância do oceano para todo mundo. Na Liga das Mulheres Pelo Oceano, a gente já criou, inclusive, um grupo de trabalho especial que já tem 80 mulheres registradas e trabalhando em ver como é que a gente vai atingir as sete metas da Década da Ciência Oceânica e que seja para toda a sociedade. Um “oceano previsível”, um “oceano limpo”, um “oceano acessível”...

DC- E a Liga?

PC - Ela nasceu em 2019 com três focos principais: mudança climática, sobre exploração (aí estou falando de mineração e de pesca, de petróleo, poluição plástica e poluição por saneamento). São todos elementos que estão dentro dos temas e das temáticas da Década da Ciência Oceânica. Então a gente tem trabalhado diretamente. Eu faço parte do Comitê Gestor da Década da Ciência Oceânica no Brasil representando a comunicação. E, como eu falei, a gente tem mulheres da Liga participando em diversas frentes das oficinas regionais e além da gente ter criado também um grupo de trabalho. No meu trabalho jornalístico, isso reflete em algo que eu já vinha fazendo há bastante tempo. Tento traduzir não só no meu podcast, como também na National Geographic, em reportagens. Transformar em grandes histórias as histórias de pessoas, de cientistas, de pesquisadores e pesquisadoras. Transformar a ciência, e principalmente a ciência marinha, em algo agradável, curioso e acessível para um maior número de pessoas.

DC – Em 2020, o que jornalistas profissionais denominam “conteúdo relevante” (leia-se informação para valer, bem apurada etc) foi algo demandado à beça pela audiência. O Vozes, por exemplo, teve 39 episódios e aumento de mais de 347% de audiência durante a pandemia. O que você acha que mudou em relação à produção e consumo de informações sobre as pautas ambientais em 2020?

PC – Conteúdo relevante? Eu acho que é um conteúdo que salva vidas no contexto pandêmico que a que a gente vive. É um conteúdo que leva em consideração o déficit de conhecimento que a sociedade brasileira tem. Acho que o rádio tem um papel muito importante, e vou falar exclusivamente da comunicação falada, porque é, hoje, a mais acessível, falando sobre inclusão. Falando sobre vários golpes que a sociedade brasileira tem, inclusive de acesso à informação, a gente, às vezes, esquece que vive numa sociedade com muitas deficiências. E a questão de acesso ao conhecimento educação é uma delas. Considerando que a comunicação falada é desde um áudio e até um podcast que são distribuídos pelo WhatsApp e como isso pode atingir impactar pessoas. O próprio rádio de pilha, a radio comunitária que chega muito mais longe… A comunicação falada tem esse impacto muito importante. Conteúdo relevante, então, é esse que você possa levar e complementar e acrescentar na vida das pessoas. Eu acho que o podcast teve especificamente uma mudança na sua audiência porque eu mudei também um pouco o foco. A forma. Eu decidi voltar muitas casinhas para trás e não ser tão específica e sim ser básica. Deixar o Vozes do Planeta como esse serviço. Que dê uma aula, que possa explicar e ser o mais básico possível. Então, a gente começou com umas series de “o que é”. O que é “economia circular”? O que são as “mudanças climáticas”? E para cada tema desse eu convidei um tremendo especialista ou uma tremenda especialista. Para “economia circular”, a representante na América Latina da The Ellen MacArthur Foundationque é a fundação que criou o conceito de economia circular. Para “mudanças climáticas”, convidei o Paulo Artaxo, que hoje é uma das grandes referências, um cientista que, inclusive, ganhou o Prêmio Nobel porque ele faz parte do Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC). Eu trouxe o Wellington Nogueira, fundador do Doutores da Alegria, para explicar porque a alegria é importante e é pertinente nesse momento que a gente está vivendo. Eu trouxe o Paulo Saldiva, grande médico patologista da USP, para explicar o que é o coronavirus. A Márcia Chame, da Fiocruz, para falar da relação com zoonoses. Eu acredito muito e isso é algo que eu aprendi muito dentro da minha carreira ao me desenvolver como jornalista de rádio principalmente: nunca subestimar audiência e apresentar o melhor que você pode apresentar para as pessoas. Eu trabalho todo dia e, sinceramente, sem querer parecer exagerada. Penso a cada episódio que eu produzo do Vozes do Planeta em apresentar o melhor que eu posso. A melhor pessoa para falar sobre aquele assunto e da forma mais simples para que possa ser mais claro possível para todo mundo. Acho que a gente se deu conta, ou uma parcela da população se deu conta, de que algo não estava bem. Isso é algo que não está muito relacionado com as nossas relações de consume, principalmente com a nossa relação com a natureza. A ausência da possibilidade da gente ir e vir mostrou para muita gente a importância que a natureza tinha na vida delas. Acredito que isso foi algo que mudou bastante e que, por isso, a gente teve uma curiosidade para entender o que estava acontecendo. Por isso a gente teve aumento de audiencia no Vozes do Planeta.

DC – Pode nos contar quais são, aliás, os desafios jornalísticos para 2021 que pretende encarar? A nova temporada de Vozes do Planeta vem aí, certo?

PC – Pretendo encarar a nova temporada do Vozes do Planeta e, sim, ela começou. Comecei com um papo fundamental com a Ailton Krenak e eu vou trazer cada vez mais vozes que foram pedidas pela audiência do Vozes do Planeta. Vou trazer mais dessa característica do rádio. Esse diálogo com a audiência para que a gente possa continuar evoluindo. E, cada vez mais temas de natureza ética. Gosto muito de falar nos meus posts que a resposta está na natureza e é isso. Sem natureza não existe economia. Sem natureza não existe nem a gente. Só ela pode existir sem a gente, mas a gente não pode existir sem ela. Então, falar de economia, falar de saúde e não falar de natureza, não falar de temas ambientais não funciona para mim. Então Vozes do Paneta volta, em 2021, completamente fincado em temas sobre natureza e em vozes de pessoas que falam e lutam por ela. Esse é um desafio jornalístico. A gente fazer. E amplo inclusive para jornalistas. Dentro do jornalismo, como é que a gente vai entender o planeta é um Sistema? A gente trabalha num sistema inteligente. Quando fala de mudança climática é algo diferente de falar sobre economia ou sobre justiça social ou sobre política. O grande desafio jornalístico é a gente integrar a natureza e integrar essa degradação ambiental à denúncia e tudo mais dentro desse grande Sistema. De traduzir isso para as pessoas para que elas entendam. Não falamos de uma enchente porque “choveu demais”. A gente está falando de um sistema que está entrando em colapso. E, por isso, a gente vai começar a sentir cada vez mais isso.

DC - O que o coronavírus tem a ver com o mar e com as mulheres?

PC – O coronavírus tem a ver com uma degradação ambiental provocada por nós e, junto com essa degradação ambiental, as mulheres estão numa cadeia na parte mais vulnerável. Faz parte do ODS5, a questão de gênero. As mulheres elas podem trazer a solução para esse colapso social moral e ambiental que a gente está vivendo. Mas somos a ponta que mais sofre ainda sobre a degradação ambiental, sobre o sistema econômico. Acredito que essa resposta venha um pouco nesse sentido humano que tem a ver com o coronavirus. E o mar? Como falei no começo da nossa entrevista, ele pode trazer muitas soluções se visto de uma maneira sustentável e se pesquisado de uma maneira sustentável. Há já dois ou três insumos de tratamento para coronavírus que são do oceano. A economia azul pode trazer muitas soluções. Essa pode ser uma das respostas também para o coronavirus: recuperar uma agenda de pós-pandemia e vinculada ao acesso econômico para mais pessoas pela economia azul.

DC – A agenda ambiental de 2021 está “adiada” em muitos sentidos. E dezembro parece ser o mês chave para a tomada de decisão dos líderes globais, dada a realização da 26ª Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas em Glasgow, na Escócia. Boa parte do que foi acordado em Paris, em 2015, deve ser revisto, modificado e reestruturado, algo assinalado já na pré-COP26, em dezembro de 2020, quando a União Europeia, por exemplo, apresentou o seu “Pacto Verde”, manifestando o compromisso de redução de emissões da ordem de pelo menos 55% em relação aos níveis de 1990. Em relação aos oceanos, mais especificamente, que pautas você crê que a mídia deveria repercutir com força para criar o ambiente desse cenário de discussões? Para além disso, a que vozes devemos nos atentar neste ano (para além da polarização política e dos interesses econômicos de “desenvolvimento sustentável”)?

PC –  Excelente pergunta. Eu vou trazer um pouco do histórico. Se eu não me engano acho que somente em 2017 o oceano passou a entrar na agenda climática. Apesar dele trazer todos esses elementos que eu tinha comentado de ser regulador climático, pela sua captura de carbono através do sistema dos fitoplâncton e algas. Esse sistema e essa importância é algo que a gente deveria conseguir produzir de uma maneira melhor. É algo que, por exemplo, a LIGA tenta trazer. Não é só uma questão da imprensa. Todos, inclusive ONG’s que têm um grande sistema de comunicação e podem atingir pessoas, poderiam também trabalhar nessa história. Traduzir esse sistema oceânico e dizer dos benefícios que ele traz para o clima. A partir do momento em que a gente tem a Amazônia, a maior floresta tropical do planeta, entrando quase em colapso, como Carlos Nobre já vem alertando, é fundamental que a gente entenda o oceano e a sua conservação como uma forma de a gente se manter com o mínimo de equilíbrio que deixa a vida na Terra possível. Muitas coisas vêm vem se desccobrindo mais recentemente. Como, por exemplo, o valor das baleias dentro da regulação climática. São animais gigantescos que carregam toneladas de carbono, armazenam toneladas de carbono ao longo de toda sua vida e, quando morrem, depositam em si esse carbono, que fica aí por muito tempo. As baleias também com suas fezes dão alimento para uma cadeia muito grande no oceano. E fertilizam o mar, proporcionando então que a vida marinha seja possível. Inclusive fitoplâncton, que possa se manter vivo e ainda ajudar nesse processo como por exemplo a captação de carbono. Ou seja, só de pensar em uma espécie marinha, todo benefício climático que ela pode trazer, como oceanos saudáveis. Já seriam pautas suficientes para a gente começar a produzir. Acho que a gente deveria se atentar em pessoas que falam hoje em regeneração. A gente está precisando apresentar porque é a nossa última oportunidade mostrar que vozes estão fazendo a diferença no sentido de regenerar. Hoje não basta só a gente falar de conservação. A gente tem que falar em reverter a situação tanto no mar quanto na terra.

 

Capa da National Geographic de junho de 2018: planeta ou plástico?
Capa da National Geographic de junho de 2018: planeta ou plástico? Foto: reprodução da web.

 

DC – A discussão sobre o plástico, que começou com o “canudinho”, abriu os olhos do mundo para outras questões mais importantes e que, equivocadamente, pareciam apenas “pano de fundo” para tudo: a demanda por “embalagens” (e, portanto, o aumento do consumo) e a má gestão dos resíduos (e, portanto, o aumento do desperdício). Você poderia comentar qual seria a segunda e a terceira camadas do iceberg do “mundo de plástico”?

PC - Excelente pergunta. Na verdade, a pandemia mostrou e acelerou muito a indústria do plástico. Com relação à embalagem, mais da metade de toda a produção do plástico é para embalagem. Isso tem a ver com um sistema de consumo. Então, o que a gente viu com a pandemia foi um incentivo aos descartáveis. Uma lógica de que era mais limpo do que você usar algo mais durável que pudesse ser higienizado e voltar ao uso novamente. A gente voltou muitas casinhas atrás na questão da educação ambiental sobre o plástico, na pandemia. Eu me deparei, no ano passado, com esses questionamentos. O Brasil é muito importante a gente ter essa temática porque o Brasil é o quarto maior produtor de lixo plástico no mundo de acordo com a WWF Brasil, que fez a estimativa a partir de dados do Banco Mundial. Mas eu me deparei, em julho do ano passado, com uma série de reportagens que eu resolvi fazer não só para o podcast, mas para a National Geographic. Eu procurei olhar para uma questão social também que é bastante importante e que a gente não tem costume de olhar. Quem resolve o problema da reciclagem neste país são os catadores e catadoras. 90% de todo o material, isso de acordo com a Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis – ANCAT. 90% do material reciclável passa ou passou ou vai passar na mão de uma catadora ou de um catador. A gente não tem nas cidades brasileiras um sistema que dê conta para o volume de material que pode ser reciclado. Então eu fui olhar e fui fazer essa série de reportagens ouvindo catadores e catadoras e foi o que eu ouvi. É assustador, Érica. A gente não tem ainda direito a um sistema, por exemplo, para isopor. É o que mais você vê hoje com coisas de delivery no Brasil. A gente se questiona. Quem recicla isopor, onde recicla? Os catadores me contaram que é um material que vai se acumulando nas cooperativas para poder fazer um volume suficiente para levar ou que levam de acordo com outro material que vem associado. A gente aumentou o número e o volume de material que a gente produz e nem sabe se isso está sendo reciclado ou não. Certamente, não está. Então são questionamentos que eu não sei como é que pós pandemia a gente vai ter que voltar atrás. Ao mesmo tempo, nesse período pandêmico, cooperativas não puderam trabalhar. Muitas não tiveram auxílio das prefeituras. Temos uma lei nacional, uma Política Nacional de Resíduos Sólidos que reconhece catadores de catadoras como um trabalho fundamental e eles são agentes ambientais da cidade. Com a pandemia, o que a gente viu foi, principalmente, um aumento no consumo de plástico descartável e uma ausência de respostas. Porque ela já não existia antes. De o poder público tratar de todo esse volume de material que vem sendo gerado. Porque aumentou ainda mais o consumo e, consequentemente, a produção de plástico.

DC – Marcas com Adidas, Coca-Cola, Nespresso e Canadá (sim, o país) estão atentas e ativas em relação à execução de políticas de sustentabilidade, cada uma a sua maneira. A Adidas faz tênis com plástico retirado dos oceanos desde 2015, graças à parceria com a Parley for The Oceans. A Coca-Cola está prototipando a sua garrafa de papel na Europa. A Nespresso anunciou que pretende zerar as emissões de carbono de cada xícara de café até 2022 – para isso conta com parceria com ONGs como The Rainforest Alliance e PUR Projet. O primeiro-ministro canadense Justin Trudeau Canadá baniu os plásticos a partir deste ano no país. O que você acha desses exemplos privados e público?

PC - A gente precisa ter todas as soluções possíveis. Não existe uma solução única. Você citou empresas e poder público. No caso os governos. A gente tem a questão do Legislativo. Eu realmente acredito que já passou da hora de esperar a boa vontade voluntária, a gente precisa entrar no Legislativo com tudo. Ter soluções a partir de leis criadas porque já demos muita oportunidade para fazer as mudanças pela boa vontade e não rolou. Então a gente tem a União Europeia também anunciando para 2022 uma série de restrições com relação ao descartável. A gente tem na cidade de São Paulo a proibição do canudinho. A partir de agora, começou a questão do descartável. Então uma legislação, mas que tenha também junto uma questão de fiscalização e também um pé no conhecimento. Ou seja, de mostrar e apontar alternativas e dar tempo para a mudança. Agora, com relação às marcas, eu acho, sinceramente, que é muito pouco comparado ao tamanho do impacto. Principalmente nas marcas que usam a embalagem. O que vem sendo feito não diminui a importância de que se comece de alguma forma. Mas ainda é muito pouco. Por exemplo. O volume que uma empresa como a Coca-Cola coloca e o que vai ser feito. Existe uma meta. Ela anunciou, em 2020 (2018), que existe uma meta de fazer todo esse trabalho de impacto. De fazer esse mapeamento. Acho que até 2025, de ter esse sistema fechado pelo menos em recolhimento e reciclagem de embalagem. É fundamental, com muito atraso, as empresas agirem mais completamente. No caso do Brasil a gente tem uma legislação que diz da logística reversa, da responsabilidade das empresas com que vem sendo colocado no mercado. Se esse material vai retornar, aí pode. Essa empresa pode contribuir no sistema de reciclagem que existe naquela cidade. Enfim, ter uma responsabilização maior sobre isso.

DC – “Cada um deve fazer a sua parte pelo bem do planeta”. Essa frase é detonadora de alguns questionamentos e levantes. A sueca Greta Thunberg, por exemplo, passou a conclamar os estudantes para que, juntos, lutassem pela mitigação das mudanças climáticas em seu país e no mundo. Fez a parte dela pelo futuro. O consumidor (para usar um termo econômico e do marketing)/ o usuário (para usar um termo do design) precisa ser “responsabilizado” para que haja políticas e produtos/ serviços sustentáveis?

PC – Como coloquei numa questão anterior, é um sistema de responsabilidade. Não tem que ter só o consumidor ou usuário. Tem ainda a questão do cidadão e, principalmente, de mercado, de política pública. Então eu acho que a gente tem que questionar o sistema de consumo que a gente está vivendo. Ele está consumindo o planeta. Ele está se exaurindo. Então, antes de começar a pensar nos próximos passos ou nas novas economias, a gente tem que pensar na real. O mundo real é que hoje a gente tem um sistema absurdo de consumo. As pessoas continuam consumindo loucamente e elas consomem loucamente porque a gente tem uma demanda. E por trás dela existem empresas que visam lucro. Não são só empresas que têm serviços essenciais. A gente está falando de empresas que produzem mais e têm excedente. A indústria da moda é um grande exemplo disso. Que cria milhões de coleções que não precisa produzir mais e acaba sobrando estoque e depois acaba vendendo muito rápido. A gente já passou da hora de esbanjar produtos. Eu acho que falta agora a gente pensar bem criticamente. Qual é meu papel dentro dessa sociedade de consumo absurda e como é que eu posso mudar isso?

DC – Imagine que seu leitor é um agropecuarista do Cerrado brasileiro. Quanto valem os oceanos “vivos” e como demonstrar a ele como esses serviços ambientais estão relacionados com as florestas?

PC – Bom eu diria para um agropecuarista do cerrado brasileiro que eu conheci uma história muito interessante conversando com Antônio Nobre e o estudo climático da Amazônia. E toda essa linguagem maravilhosa que ele desenvolveu para popularizar os rios voadores mostrando como isso é importante, por exemplo, para a região Centro-Oeste do país onde está a grande produção agropecuária do Brasil. Ele dizia que ele e outros políticos que entraram nessa história entenderam qual a lógica dos rios voadores a importância disso. Ou você tem uma safra ou você tem duas safras. E você podia ver no mapa, rapidamente, onde batia toda a influência dos rios voadores que vêm da Amazônia. Se tinha duas safras onde não batia, onde estava muito próximo de grandes áreas de desmatamento, tinha uma safra por ano. Então como fazer essa associação com o oceano? É um sistema planetário maravilhoso. O oceano evapora e a Amazônia tem uma função que chama "bomba biótica". Ela chupa vapor e umidece o solo e transforma tudo dentro da floresta tropical. Depois, devolve para a atmosfera através dos rios voadores que são esses vapores. Todo dia a Amazônia evapora o equivalente a uma vazão do rio Amazonas. Para a gente ter noção do volume de água disso. E, a partir dali, isso percorre e vai descendo e bate nos Andes e devolve para o Brasil na região Centro-Oeste. E vai descendo até a Argentina, criando as chuvas. Então, quando a gente desmata a Amazônia ou quando a gente altera a regulação climática do oceano e vai acidificando, tirando dele essa oportunidade de evaporação, a gente está mexendo num sistema inteiro. Que vai bater, justamente, na produção de alimento, consequentemente no valor do alimento. Olha a economia aí, de novo. E vai bater na mesa e na disponibilidade de alimento para para as pessoas. Então, eu poderia explicar essa relação dessa forma.

DC – Sim, gostaríamos de tratar de “alimento”. Sem água, espécies definham, a biodiversidade encurta, não se tem “planeta”. Pensando com o filósofo italiano Emanuele Coccia (Metamorfoses, 2020), o fim dos oceanos nos obrigaria a uma nova adaptação à vida terrestre, como já ocorreu há milênios. E, bem antes disso, todo ato de alimentação nos convida à reflexão sobre a metamorfose decorrente do ato de “comer”. Somos nós quem elegemos o que é “comestível” e hierarquizamos o gosto, que sempre se discute. Quão distantes você crê que nos tornamos dos sentidos de “alimento” e quão equivocada está nossa alimentação hoje? Que caminhos você enxerga para o comer/ a dieta contemporânea?

PC – A gente tem que trazer aqui a questão do alimento para o oceano e o que vem do mar. A gente fala de desenvolvimento da sociedade, da civilização a partir da agricultura. Mas a gente não pode esquecer que, pelo oceano, nós somos ainda caçadores coletores. A gente ainda depende do que o oceano nos dá. E a gente não está usando isso de uma maneira forte. A gente está, por exemplo, pescando de maneira afrontosa para um sistema sustentável para produzir farinha de peixe para alimentar peixe. Ou farinha de peixe para alimentar o gado. Então a gente está exaurindo o oceano para manter um sistema alimentar que a gente não está pensando nele. Para uma commodity. A gente não está pensando mais no alimento como alimento, mas sim uma commodity. E, para isso a gente, está exaurindo um sistema fundamental como o oceano. Eu acho que é nesse sentido que a gente está distante do que é o alimento. A gente não consome mais um animal. A gente consome um pedaço de carne que a gente não tem noção e nem quer saber como ele foi ele foi parar lá. Como é que esse animal está sendo tratado. Aquela fazenda decorrente do desmatamento. Mesma coisa dos peixes. A gente não sabe se aquele cação entre aspas é um tubarão ameaçado de extinção. Se aquela posta que eu estou comprando é uma espécie que está fora da sua época. Se aquele estoque ainda é viável para ser consumido. Enfim, a gente está numa desconexão tão grande que, para mim, a volta dos caminhos que eu enxergo para uma dieta contemporânea seria "se ligar" nos impactos a produção daquele alimento está provocando no ambiente. Ao mesmo tempo, a gente desperdiça uma produção gigantesca de alimento. Então a gente voltar a enxergar alimento como alimento e não uma commodity é fundamental. Isso vai de tudo. Do açúcar que é uma monocultura até. Eu volto de novo à questão dos peixes. Pensa o camarão. Saber que aquilo pode ter sido fruto do desmatamento de manguezais que acabam provocando todo um sistema muito grande de solta de carbono. Que polui a água que polui todo um sistema costeiro para produção em tanque de camarão. Então, esse descolamento com os tempos da natureza que o alimento tem está provocando justamente a gente exaurir todos os sistemas. É importante a gente se reconectar com os tempos da natureza porque a gente vai sofrer mais. A gente vai ter uma alteração climática que vai alterar todos os sistemas no planeta. Se a gente não fizer essa retomada, está bem lascado.

 

Refloresta (Reprodução do YouTube)
Refloresta, de Gilberto Gil: indicação de Paulina para ouvir (Foto: reprodução do YouTube)

 

DC – Gostaríamos, ainda, que indicasse boas fontes de “alimento”: podcasts, livros, veículos de informação, documentários, discos etc que crê fundamentais para compreender-se a Década dos Oceanos.

PC - A LIGA, inclusive, mudou o nome do movimento para um “oceano” só. A Liga das Mulheres pelo Oceano. E a gente tem tratado de oceano porque existe um movimento global mostrando que é apenas um oceano. Se você olhar para o planeta, ele é um azul inteiro, não existe divisória. Se você tirar os continentes dali, você vê que não tem uma divisória, não tem uma fronteira para o oceano. E liga todos os povos como fonte de alimento. Queria muito destacar o Aílton Krenak. Queria destacar destacar o Bruno Latour. Eu queria destacar o livro de André Wolf,  “A invenção da Natureza”, que conta a história de uma grande inspiração para mim que é o Alexander von Humboldt. Eu queria destacar de podcasts, claro, Vozes do Planeta. Mas tem uns muito interessantes que têm surgido de ficção para contar temas específicos, o caso do Toninhas, pAra falar do golfinho mais ameaçado do Brasil. Documentários? Sem dúvida o mais recente do ambientalista David Attenborough. Para que fique claro que é uma inspiração porque ele traz justamente essa urgência por ele ter vivido as transformações do planeta. De disco, sempre Gilberto Gil. Ele está aí com Refloresta, uma música primorosa e que me vem agora na cabeça. Estou com muita vontade de voltar para a natureza de fazer minhas expedições como eu passei as últimas duas décadas fazendo. Então, hoje, eu estou muito saudosa. Quando eu penso em música, não vou conseguir indicar mais porque meu gusto é muito variado, vai desde grunge. Eddie Vedder fez Na Natureza Selvagem e toda a trilha sonora desse filme é maravilhosa. E vou até músicas muito regionais. Colombianas e peruanas que eu adoro. Por exemplo, a cumbia, que está relacionada com a história do Rio Magdalena, na Colômbia. Fala de suas curvas e tudo mais.

Obrigada de antemão, novamente, querida Paulina. Seu trabalho é fundamental para que o jornalismo respire e o mundo sobreviva em meio a tanta desinformação. Até breve, com mais #MotivosParaDialogar!

 

 

 

 

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