Na ponta geograficamente avessa desse mesmo Brasil, avaliar o que acontece em torno da Casa das 11 Janelas só é possível quando se aposta no tear de conversas. Há cerca de 15 dias, não se fala em outra coisa em Belém: o projeto do Polo de Gastronomia da Amazônia no Pará, oficializado por decreto - 1.568, de 17 de junho de 2016 - e publicado no Diário Oficial do Estado do Pará. Chamamos Joanna Martins, diretora do Instituto Paulo Martins, para a prosa. E Val Sampaio, do Museu da Casa das 11 JanelasPost checado em 02 de março de 2021.

Contexto? Sim, claro. A plêiade de artistas que ocupa o espaço com arte contemporânea desde 2002, ano de fundação do museu, protesta, de forma incisiva, contra a desocupação do espaço e a realocação para outro prédio (insabido, por ora; o atual seria, em importância, equivalente ao Masp, defendem). Revolta-se contra a falta de transparência do Governo do Estado do Pará e com as dez instituições que estarão à frente do polo, entre elas, o Instituto Atá e o Instituto Paulo Martins. ‪#‎nãosomosmeiadúzia ‪#‎jatenetireasmãos ‪#‎11janelasfica #foratala e outras hashtags pululam na web.

O Atá é a cara de Atala e de seu projeto perene em defesa da gastronomia brasuca. O Instituto (IPM), a essência do legado da família Martins e das pretensões pela salvaguarda da Amazônia e da cultura amazônica. Ambos, defendem a cultura (que abraça a gastronomia enlightened). O Instituto não foi rechaçado. Atala, porém, virou alvo de dúvida: tachado de oportunista, inclusive, recuou do intento de gerenciar o polo.
 

Comunicado à imprensa
Diante da inflexibilidade do Governo do Pará, do radicalismo das partes, da ausência de real diálogo, da clara confusão criada e do nosso profundo desagrado com a maneira com que vem sendo conduzida pelas partes a criação do Polo Gastronômico, bem como a não permanência do Museu de Arte Contemporânea na Casa das Onze Janelas, em Belém (PA), conforme Decreto 1.568 de 17/6/2016, o Instituto Atá não irá se candidatar para gerenciar o projeto do Polo Gastronômico.
Consideramos que a arte é essencial na construção da identidade de uma nação. Por isso, não compactuamos com um projeto que valoriza a cultura culinária do Pará desabrigando demais expressões de arte, como as plásticas, fotografia, entre outros projetos que tinham como morada o Museu Casa das Onze Janelas.
Na esperança de que um dia este impasse se dissolva, o chef Alex Atala e o Instituto Atá se colocam à disposição para seguir trabalhando para o fortalecimento da totalidade da cultura do Pará e da Panamazônia, nos mesmos moldes e transparência que, com sucesso, participamos da revitalização do Mercado Municipal de Pinheiros, em São Paulo (SP).
Alex Atala e Instituto Atá

 
Alex Atala, por Diálogos Comestíveis (outubro/2015)
Alex Atala jogou a toalha: gestão do Polo de Gastronomia da Amazônia está descartada. Foto: Érica Araium


Os artistas marcaram novo protesto para hoje (1º de julho/2016) à noite e avisam de que não arredarão pé dos atos até que o Instituto Atá e Alex Atala “vinculem sua participação no projeto à irrestrita condição de que o Museu Casa das Onze Janelas permaneça no lugar onde funciona há 14 anos”.
 
Joanna Martins, que tem gerido o Instituto desde a criação, em 2012, conversou com Diálogos Comestíveis sobre essa história toda, que já ganhou proporção nacional, gerou comoção entre cozinheiros e críticos gastronômicos. Há um debate acintoso nas redes sociais, farpas de todos os lados. Protestos há quase diariamente - abraços simbólicos, panelaços e afins. Veja, Folha de S. Paulo e outros veículos já repercutiram o assunto. E novidade há de pintar por aí. Tudo relacionado à queda de braço entre os atores do polo e os atores da arte; à disputa pelo casarão que data do século 18, completamente restaurado em 2001 e adquirido pelo Governo do Pará.

O prédio fica na região mais antiga de Belém, cheia de referências portuguesas, dentro do Complexo Turístico Feliz Lusitânia. A Igreja de Santo Alexandre (Museu de Arte Sacra) e a Catedral Metropolitana de Belém são vizinhas.
 

O que diz o Governo do Pará?
 
Comunicado do Governo do Pará publicado na mídia de Belém
Comunicado do Governo do Pará publicado na mídia de Belém: reprodução/web.


O que pensa joanna martins?
 
Joanna Martins, diretora executiva do Instituto Paulo Martins. Foto: divulgação
Joanna Martins, diretora executiva do Instituto Paulo Martins. Foto: divulgação


Diálogos Comestíveis (DC) - Alex Atala se posicionou oficialmente e recuou do intento de gerir o polo gastronômico. Ficamos sabendo da notícia ontem à noite e temos o posicionamento da Casa das 11 Janelas (leia abaixo). Quais serão os desdobramentos para o projeto e o reflexo que isso terá para o Instituto Paulo Martins (IMP)? O que muda com o recuo de Atala?
Joanna Martins (JM) - Recebemos a notícia da saída do Atá/Alex, com tristeza, mas entendemos e respeitamos sua posição. Afinal, ele não merece carregar o peso de problemas que não foram gerados por ele. A princípio, o projeto continua. Não recebemos nenhuma outra informação a respeito disso. Hoje, pela manhã, saiu na imprensa local um esclarecimento do governo do Estado.
DC - Temos acompanhado seu trabalho à frente do IPM, houve progressos desde 2013. Daniela, sua irmã, também está bastante ativa. Há alguma novidade que possa adiantar a respeito da instituição?
JM – É, o IPM vem crescendo e acredito que, a partir deste ano, vamos conseguir crescer ainda mais. Conseguimos recurso para ter uma equipe efetiva que dará um “up” nas nossas ações. Conseguimos colaborar para a elaboração do dossiê de candidatura de Belém a Cidade Criativa da Gastronomia junto a Unesco, que foi vitoriosa. Ainda, realizar duas turmas do curso gratuito de “Iniciação Culinária: técnica de corte e cocção”, para pessoas de baixa renda. E começamos a planejar a abertura de ações de educação mais efetivas, inclusive com a construção de uma sala/laboratório para aulas práticas de culinária, que deve ser inaugurada ainda neste ano. Também devemos lançar um livro para crianças.
 

Pato no tucupi: gastronomia paraense é motivo de orgulho nacional
Pato no tucupi: gastronomia paraense é motivo de orgulho. Belém está entre as Cidades Criativas da Unesco 
(grupo é composto por 116 municípios). Foto: Dudu Maroja



DC - Vamos voltar à famigerada questão do polo. Qual é a relação entre o IPM e a Casa das 11 Janelas?
JM - Não há relação entre o IPM e a Casa das 11 Janelas. O Polo de Gastronomia é um projeto do Governo do Estado do Pará. (*)
DC - O governo do Pará já autorizou a mudança (consta em Diário Oficial). Como paraense, o que tem a dizer sobre a decisão?
JM - Foi decisão do Governo do Estado implantar o Polo de Gastronomia na Casa das 11 Janelas. (*)
DC - Perante o movimento #ForaAtala, qual seu posicionamento? Acha exagero? O que o IPM e o Atá estão fazendo juntos neste momento?
JM - Sou totalmente contra o movimento. Acho um exagero e uma falta de respeito muito grande com a pessoa do Alex, que é um profissional extremamente competente e que tem sido um verdadeiro embaixador da cozinha brasileira, ajudando a divulgá-la mundo afora. Na maioria das vezes, sem apoio algum. E isso muito me lembra a luta de meu pai (Paulo Martins).

Paulo Martins, embaixador da gastronomia paraensePaulo Martins, embaixador da gastronomia paraense, em foto de João Ramid (divulgação)
 

JM - Os defensores do museu estão usando a imagem do Atala para tentar pressionar o Governo do Estado, o que não é correto. Acredito que a intenção do Atá ao trabalhar na região e, muito respeitosamente, em parceria com o IPM, está no fato de que ainda há muito a se fazer pela gastronomia amazônica. Ela é culturalmente muito rica e preservada, mas se tem pouco registro e pouco conhecimento aprofundado a respeito dela. Qualquer apoio no sentido de viabilizar o conhecimento é muito bem-vindo. A Amazônia desperta interesse do mundo inteiro e não temos como impedir que o mundo a acesse. Mas, podemos conhecer, pesquisar, registrar, desenvolver tecnologia e nos apoderarmos de tudo isso e, a partir daí, fazer com que o mundo venha beber na nossa fonte. Essa é a fórmula de sucesso de países como Itália e Japão - na gastronomia e em muitas outras áreas. Nosso entendimento é que com a união de esforços conseguimos fazer muito mais. E estamos abertos a parceiros que, como o Atá, comungam de nossos objetivos.

Vale lembrar, o Instituto Atá nasceu em abril de 2013. Fundado por Atala e uma equipe multidisciplinar, reúne fotógrafos, empresários, publicitários, um antropólogo e um jornalista. Na base da proposta, verbos conjugados: “o aproximar o saber do comer, o comer do cozinhar, o cozinhar do produzir, o produzir da natureza”.
 


Abraço simbólico dos artistas paraenses: Museu da Casa das 11 Janelas. Foto: reprodução/ web


O QUE PENSA VAL SAMPAIO (MUSEU DA CASA DAS 11 JANELAS)?


DC - A Casa das Onze Janelas é constituída por uma plêiade de artistas paraenses, atuante há 14 anos. É isso mesmo?
VS - O Museu Casa das Onze Janelas foi constituído como Museu há 14 anos. Iniciou com um acervo da Funarte, tem 20 coleções dentre eles estão: Adriana Varejão, Paulo Herkenhoff, Beatriz Milhazes, Emmanuel Nassar, Tomie Otake, Luiz Braga, Miguel Chikaoka. E uma coleção específica de fotografia, graças ao projeto de aquisição de acervo do Premio Diário Contemporâneo de Fotografia. Sim, trata-se de museu atuante, que foi criado com a intenção de diálogo com outros museus tradicionais e com a paisagem em seu entorno.
DC - Você atua em que área artística?
VS - Eu trabalho com vídeo, fotografia e novas tecnologias. Sou professora e pesquisadora de arte contemporânea, vinculada à Faculdade de Artes Visuais e ao Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal do Pará, sendo a coordenadora da linha de poéticas artísticas desse Programa de Pós-Graduação em Artes. E sou membro do Comitê de Poéticas artísticas da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas. Já fiz algumas exposições no Museu Casa das Onze.
DC - Belém foi designada a cidade criativa da gastronomia junto a Unesco. Foi na época da candidatura da cidade que o Instituto Paulo Martins e o Instituto ATA sugeriram a criação de um Centro Global de Gastronomia e Biodiversidade. Endossaram a iniciativa o Centro de Empreendedorismo da Amazônia e outras sete instituições. Esse projeto se desdobrou no que viria a ser o Polo de Gastronomia da Amazônia, projeto do Governo do Estado do Para. Essas informações procedem? Enquanto grupo de artistas, vocês apoiaram e apoiam a implementação deste Polo (apartada a discussão acerca da sede)?
VS - Sim, as informações procedem. Mas a população não conhece o projeto para além do que você descreveu aqui. Não existe transparência nesse projeto, e nem os critérios de escolha do grupo designado para implantação dele. Sabemos que o governado está negociando com empresas e instituições internacionais, usando os prédios históricos como moeda de troca. O Instituto Paulo Martins é o único paraense, e foi criado no final de 2015 (Joanna Martins esclarece que "o IPM foi fundado em 2012 e que sua fundação não teve relação alguma com o Centro Global de Gastronomia e Biodiversidade). Sabemos que instituições já existentes há mais tempo e representativas da área da gastronomia não foram consultadas e nem incluídas nesse projeto. Incluindo, nesse caso de exclusão, a culinária tradicional (neste ponto, Joanna questiona: - "Que instituições são essas? A única outra instituição local que tem envolvimento com a gastronomia, no Estado, é a ABRASEL/PA . E ela faz parte do conselho da sociedade civil do Centro Global, ou seja, faz parte do processo de criação do Centro). Trata-se de projeto misterioso, e toma grande parte de nosso centro histórico, que está sendo entregue à iniciativa privada de outros estados e de organismos internacionais. Sim, queremos desenvolvimento, mas qual será o custo das negociatas feitas com institutos, empresas e organismos internacionais? Afinal, qual o perfil e passado de atuação dessas empresas? Elas são de fato comprometidas com a qualidade de vida e com a cultura que eles vem tomando de assalto?
DC - Joanna Martins, paraense, tem se incumbido de difundir a gastronomia e a cultura amazônica. Alex Atala, enquanto chef expoente e referência, idem. A Casa das Onze Janelas tem conversado com ambos?
VS - Sim, mas eles não têm se colocado à disposição para o diálogo direto com o movimento. Eles têm declarado à imprensa que a escolha pela desativação da Casa foi do governador. Mas ouvimos de funcionários do Museu que o Sr. Alex Atala foi encontrado algumas vezes medindo o espaço com fita métrica. E que o grupo formado por Atala, Smeraldi e Joana Martins vinham, desde de 2015, reunindo-se na sala de apoio do educativo do Museu (que recebe um grande número de pessoas e alunos da rede pública de ensino). Numa postura arrogante e silenciosa, não explicavam nada para os funcionários e nem para a administração do Museu. Em algumas dessas reuniões saíram levando a chave da sala, impedindo o trabalho desse setor atuante do Museu. Ouvimos, também na reunião com o governador, no dia 29/06, do Secretário de Cultura, Paulo Chaves, que o projeto não tinha sido pensado inicialmente na desativação do Museu Casa das Onze Janelas, mas os membros parceiros do projeto "encantaram-se com o espaço do Museu e sua relação com a paisagem e com o rio". Sem levar em conta que o prédio tem dono e está em pleno funcionamento. A posição intransigente do  governador Jatene, em tomar da arte o prédio do Museu, demonstra que  Museu Casa das Onze Janelas é uma forte moeda de troca para implantação do polo Gastrônomico. No momento, queremos que os implicados assumam isso publicamente. O Sr. Alex Atala fez isso, faltam os demais implicados. O Movimento Casa das Onze Janelas está lutando em nome desse território constituído para que venha imediatamente a público, o que move esse projeto de poder, que quer tomar de assalto nossa cultura, nosso lugar. Naquilo que temos de mais autêntico e nos caracteriza como indivíduos com culturas complexas. A atitude desse grupo e do governador Simão Jatene é de "passar a régua" nas nossas conquistas, em nome de algo que se revela em suas atitudes silenciosas, como colonialistas e destruidor da cultura da arte demarcada em 14 anos de atuação.
DC - Atala parece ter virado o alvo da indignação coletiva e, por isso, hashtags como #ForaAtala foram criadas. Qual a crítica de vocês, paraenses, ao trabalho que o chef desenvolve a nível nacional e internacional?
VS - Nossa crítica está relacionada à atitude autoritária vem se apresentando na imposição da presença dos Srs. Alex Atala representando o Instituto Atá,  da Sra. Joana Martins do Instituto Paulo Martins, do Sr. Roberto Smeraldi do Centro de Empreendedorismo da Amazônia, e diretor da Oscip Amigos da Amazônia, nas dependências do Museu Casa das Onze Janelas desde fevereiro de 2016. Este grupo vem se reunindo em torno de ideias de desarticulação da arte atuante nesse espaço, e ideias de assalto não só do prédio, e do seu entorno, mas do nome, que sintetiza a relação de afeto, de reconhecimento de território constituído no tempo-espaço de 14 anos de atuação com a arte contemporânea. Esses conchavos na surdina revelam atitudes autoritárias, colonialistas, de assalto à nossa cultura da complexidade, dos muitos que somos. E sempre soubemos nos relacionar, como em qualquer cultura mestiça, com o que está na riqueza da mistura. 
DC - Ontem (30/06), após fracassada tentativa de negociação com o governador do Pará, os artistas chegaram à conclusão de que o Museu será mesmo realocado. Qual a expectativa de vocês para os próximos dias?
VS - O Movimento Casa das Onze Janelas atendeu ao chamado do governador Simão Jatene para comparecer na quarta, dia 29 de junho de 2016, às 18h, em seu gabinete de despachos para tratar da decisão arbitrária do Governo do Pará pela desativação do Museu de Arte Contemporânea Casa das Onze Janelas para abrigar projeto do Polo Gastronômico. O grupo explicitou ao governador que a simples "transferência" da instituição para outro local implica na total extinção do Museu, originalmente concebido em diálogo com seu entorno dentro do Complexo Feliz Lusitânia. As argumentações do movimento não receberam o menor interesse do governador em recuar da ação do decreto publicado no dia 17 de junho, que institui o polo e desativa o museu. A posição irredutível do Sr. Jatene foi a de convencer o grupo presente de que um novo museu de arte contemporânea justificaria a perda do Museu Casa das Onze Janelas, desconsiderando, assim, qualquer hipótese de reavaliação de sua postura adotada anteriormente. Na tentativa de desqualificar o movimento, o governador declarou que o alcance de público com o investimento do Polo Gastronômico não se comparava a um movimento feito por “meia dúzia”. Diante de tal insensibilidade e completa falta de elegância, o grupo organizador do Movimento Casa das Onze Janelas se retirou do gabinete em protesto a mais uma atitude de autoritarismo. O Governo do Estado do Pará continua sorrateiramente a roubar um museu de arte que pertence ao público e não ao privado. Mantemos nossa luta. Queremos Audiência Pública para apresentar o projeto e todas as implicações. Quem são os parceiros do governo? De onde eles veem? Qual o objetivo desse grupo? Nossa pauta imediata é derrubar o decreto que extinguiu Museu Casa das Onze Janelas!

Afinal, gastronomia é cultura? Cultura e gastronomia não podem se dar as mãos de fato? Quem come e quem devora cultura? A gente torce pelo fim desse imbróglio, que anda azedando até o tacacá. Há muitos, muitos #MotivosPara Dialogar.

(*) respostas atualizadas de Joanna Martins em 03/07/2016.

 

 

 

 

 

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