Relatório do IPCC alerta sobre a highway to hell

Imagine um organismo vivo em estado de colapso, com sérias dificuldades para respirar e febre alta. Ler o sexto informe do Painel Intergovernamental para a Mudança de Clima (IPCC, na sigla em inglês) ao som “sessentão” de Peggy Lee, deveria até atenuar as coisas. Como se o planeta dissesse “I get a fever that's so hard to bear... Fever in the morning. Fever all through the night”. A trilha sonora, porém, soa fofa demais para o relatório catastrófico apresentado hoje (09/08/2021) pelo painel. “Climate Change 2021: The Physical Science Basis”, primeiro capítulo de três a serem divulgados até setembro, combina melhor com Highway To Hell, do AC/DC. “I'm on the highway to hell... No stop signs, speed limit.” A síntese está disponível neste site: AR6 Synthesis Report: Climate Change 2022 — IPCC.

Ele serve de alerta para os efeitos antrópicos desde a década de 1950 e assinala a antecipação dos revezes previstos por um comitê de 800 cientistas de todo o mundo: a elevação do nível dos mares, o derretimento de calotas polares e outros efeitos do aquecimento global podem ser irreversíveis durante séculos e são "inequivocamente" impulsionados por emissões de gases causadores do efeito estufa da atividade humana. Desde a era pré-industrial, o mundo esquentou 1,09 °C, sendo míseros 0,02°C atribuídos a causas naturais. “How dare you, human?”, como diria a ativista ambiental sueca Greta Thunberg.

 


"Ninguém está a salvo", alerta Inger Andersen, do UN Environment Programme. Em síntese, passa-se a falar em urgente mitigação de danos e na drástica redução da emissão de CO2 e outros gases do efeito estufa, como o CH4 (metano)  globalmente – a cientista Valerie Masson-Delmotte foi taxativa ao dizer de “emissões líquidas (de CO2) a zero até 2050”. O mundo “parado” desde o início da pandemia de Covid-19 até meados de julho deste ano seria o melhor exemplo do que fazer para evitar-se problemas climáticos vistos recentemente: calor de 49°C no Canadá, oito meses de chuva em um dia na China, neve no Brasil – que enfrenta seca histórica no Centro-Sul e flerta com um colapso hídrico e elétrico.

As ondas de calor têm minado as populações marinhas – o que provoca um baita desequilíbrio da biodiversidade e o óbvio sumiço de peixes e frutos do mar. Já ponderamos também acerca disso, como você pode ler neste post: https://www.dialogoscomestiveis.com.br/pensatas-devoradas/129-nao-foodie-os-oceanos. Enfim, a coisa está feia até para os negacionistas. 

O relatório projeta que, sem reduções rápidas nas emissões, as temperaturas globais podem subir mais de 1,5 grau Celsius ao longo dos próximos 20 anos. E pensar que, em 2015, os líderes mundiais criam que teríamos tempo de sobra para agir até 2030 e reverter as previsões para 2050. Parece que as 169 metas dos 17 ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável) ficaram apenas na Agenda 2030 mesmo. Vale ouvir este podcast da Paulina Chamorro para entender os tais objetivos que não serão atingidos a tempo: E pensar com força no ODS 17 – “Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável”.

Desde 1988, foram publicados cinco relatórios de avaliação, havendo sido o último deles concluído em 2013-2014 – o anterior serviu de fio condutor para o Acordo de Paris, assinado, em 2015, por 195 países com o objetivo de conter o aumento do aquecimento global. O sexto relatório do IPCC é o prenúncio das pautas à mesa da “UN Climate Change Conference of the Parties (COP26”), que acontece em Glasgow, a partir de 31 de outubro (bruxas e sacis soltos). Se lá houver um verdadeiro acordo climático, com líderes “de fato” discutindo ações, conseguiremos manter a Terra “apenas” 1,4 °C mais quente entre 2081 e 2100. A despeito dos graus, o IPCC alerta para “eventos extremos sem precedentes”. Para se ter uma ideia, o nível do mar subiu 20 cm entre 1901 e 2018.


 

Neste ponto, a sensação que tive durante a coletiva de imprensa foi a de assistir 2012, aquele filme catástrofe de 2009, dirigido por Roland Emmerich, sem os neutrinos e o calendário maia no roteiro, mas com a mesma cara de espanto dos cientistas dizendo “eu avisei”. Ou a de vibrar com Al Gore quando ele jogou “Uma Verdade Inconveniente” no ventilador das certezas capitalistas, ainda em 2006.

Rolou, ainda, uma sensação bem malthusiana (1798) à beira da desconstrução da “linearidade produtiva” proposta lá na 1ª Revolução Industrial: há gente demais (eram 7,874 bilhões de seres humanos em abril de 2021) para usar os poucos recursos que ainda há disponíveis. Em 29 de julho deste 2021 pandêmico, aliás, “Dia da Sobrecarga da Terra”, precisávamos de 1,7 planeta para manter os atuais padrões de produção e consumo. Substituir combustíveis fósseis por energias mais limpas e investir em sustentabilidade neste planeta parece ser muito mais sensato que embarcar em uma bilionária corrida espacial. Fica a dica para Elon Musk, Jeff Bezos e trupe.

 

É bom lembrar que,

“para além dos humanos que reinam na era do antropoceno, a “época da dominação humana” (Crutzen, 1995), há as máquinas (drones, implantes, próteses, biotecnologias etc) e os ciborgues: esses extrapolam a relação homem-máquina e o cogito cartesiano (o sujeito “pensa” com ajuda da máquina e a máquina se torna “humana” com a ajuda do sujeito). No século XXI, não é difícil pensar o quanto as máquinas pensam com e, consequentemente, pelos humanos à medida em que os humanos alimentam as redes sociais (extensões das redes de pensamento, poder-se-ia dizer, pois são como línguas nas pontas dos dedos) com seus gostos – o que inclui os gostos alimentares” (NOGUEIRA, 2020, p.117)

 

Como vivemos dizendo neste projeto Diálogos Comestíveis, pelo comer pode-se redesenhar o mundo.

 

 

Um país agrícola como o Brasil depende da água. E de toda a água potável disponível para consumo no mundo, cerca de 70% é utilizado pela agricultura (CLARKE; JANNET, 2005). Não é preciso dizer o quanto o desmatamento contribui a mudanças no ciclo hídrico. Aora imagine o que significa ter-se um resquício de floresta em pé que, graças à ação humana dos últimos anos, já emite mais gás carbônico do que absorve – vale à pena procurar saber mais sobre o estudo liderado por Luciana Vanni Gatti, cientista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), sobre a relação entre o desmatamento e a tendência de aceleração do aquecimento na Amazônia.

Enfim, é preciso voltar prosperar sem crescer. De forma viável, justa e possível, como preconizara Tim Jackson em 2009, em seu livro “Prosperidade sem Crescimento: Vida Boa em um Planeta Finito”. Ou praticar uma economia mais “donut”, conceito elaborado na Universidade de Oxford pela economista Kate Raworth (vide “Economia Donut: Sete maneiras de pensar como um economista do século 21”, lançado em 2019). Revisar-se o que se entende por “desenvolvimento sustentável” (Estocolmo, 1972). Praticar-se o design circular como manda o script “Cradle to Cradle” (2002), “do berço ao berço”, conceito pioneiro do arquiteto americano William McDonough e do engenheiro químico alemão Michael Braungart. Tudo o que antecipamos em Diálogos Comestíveis algumas (muitas vezes). Isso tudo depende de políticas públicas em um cenário colaborativo e global. O Brasil, neste ponto, tem acelerado lindamente “on the highway to hell”.  Seguimos acompanhando e agindo, fazendo a nossa parte.

 

 

De olho. A segunda parte do relatório do IPCC deve ser divulgada em fevereiro de 2022 e a terceira parte em março de 2022. O Observatório do Clima produziu um resumo comentado em português do sumário do IPCC, que pode ser acessado aqui. O Sumário para Tomadores de Decisão oficial (IPCC) pode ser acessado aqui https://www.ipcc.ch/

 

 

 

 

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