Diálogos surreais (e normais) para 2021

O surreal é o novo normal? Partimos da pensata à investigação de temas que permeiam a cadeia do alimento. Aqui, ampliamos as provocações iniciadas no post "Sushi à Dali" e ampliamos os nossos #MotivosParaDialogar.

Item a item, precisamos pensar a respeito de temas que nos impactarão globalmente.

1) A sobrepesca e consumo excessivo de proteína animal são problemas urgentes. Segundo o relatório da FAO publicado em novembro de 2020, “The impact of COVID-19 on fisheries and aquaculture food systems. Possible responses”, nas últimas décadas, o consumo de peixe cresceu significativamente para uma média de mais de 20 quilos por pessoa.

A pesca geral de captura, com 96,4 milhões de toneladas, representou 54% do total, enquanto a aquicultura, vista como “solução” para um panorama de “comida azul”, com 82,1 milhões de toneladas, representou 46%. Estudos da FAO apontam que, até 2030, quase 60% da proteína de peixe consumidas virão da aquicultura, em todo o mundo. A má gestão da pesca inclui o desrespeito às épocas de defeso e a prática insustentável da pesca de arraste, que esgota a capacidade natural de reprodução dos pesqueiros.

Nela, ocorre a captura “acidental” de espécies como baleias, tartarugas, focas e golfinhos que, comumente no Brasil, não são de interesse comercial. A ausência de umas espécies no ecossistema marinho termina por contribuir à proliferação de outras – caso de águas vivas. O temor é de que os pequenos produtores, responsáveis por 10% da pesca mundial, sofram com as consequências da sobrepesca, sobretudo as mulheres e as populações mais jovens. O Código de Conduta para a Pesca Responsável completa 25 anos em 2021.

Na Década dos Oceanos, é preciso ser sustentável até os ossos. Foto: Carolina de Avilez (Diálogos Comestíveis)
Na Década dos Oceanos, é preciso ser sustentável até os ossos. Foto: Carolina de Avilez (Diálogos Comestíveis)

 

2) A Covid-19 revelou problemas de gestão em todos os setores – já falamos das consequências para a sobrepesca. A ONU destaca, contudo, à crise de governança resultante da pandemia, especialmente na América Latina e Caribe. Divulgado em janeiro de 2021, o relatório Latin America and the Caribbean: Effective Governance, beyond Recovery (undp.org) .  A “proposição 2” destaca a necessidade de formulação de pactos fiscais justos e solidários que permitem gastos sustentáveis, inclusivos e amigáveis para o crescimento econômico. Trocando em miúdos, não há maneira de os países atuarem e buscarem inovações que não juntos.

3) A insegurança hídrica, a fome e a obesidade são problemas globais. Atualmente, 2 bilhões de pessoas no mundo não comem o suficiente ou se alimentam muito, muito mal, tema que foi discutido no Fórum de Davos, em janeiro. Com a logística de abastecimento alterada radicalmente pela Covid-19, o alimento não tem chegado a portos, matadouros, fábricas e fronteiras. De outro lado, tem-se um crescente aumento nos índices de desmatamento para a produção agrícola frente a 30% de perda ou desperdício de alimentos. Segundo  dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) divulgada em 2020 pelo IBGE, a fome afeta cerca de 85 milhões de brasileiros.

4) A degradação ambiental e as mudanças climáticas têm contribuído para a ocorrência com maior frequência de desastres naturais e, consequentemente, alterado os territórios. Esta semana, por exemplo, o Programa Mundial de Alimentos (PMA) fez um apelo por ajuda a quatro países da América Central (El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua) que enfrentam uma grave fome. A destruição de casas e cultivos por dois furacões gêmeos, a escassez e redução de alimentos, assim como a falta de empregos estão gerando também uma onda de migração.

5) O consumo de produtos fora de suas épocas em escala local causa efeitos globais. Pense nos camarões fora da época de defeso, dispostos sobre um “avocado” e uma torrada naquele lugar “top” que viu na web, por exemplo. Em 2019, depois de uma febre de consumo altamente instagramável, o “abacate hass” (vulgo avocado) sumiu dos campos do México, Chile e Nova Zelândia e passou a ser produzido de formas bastante alternativas, impulsionando, até mesmo, o tráfico dos frutos. Essa história virou reportagem intrigante do Paladar, do Estadão.

6) A geração de resíduos se amplia à medida em que soluções aparentemente eureka! para problemas imediatos são criadas de forma irresponsável e desconectada com o futuro. Pondere sobre o excesso de embalagens que, comumente, embrulham tudo que é comestível. Eles se avolumaram na pandemia – delivery, to go e etc... Em Portugal, discute-se, hoje, a proibição de embalagens "inúteis e supérfluas" como as usadas em bananas, batatas e bolachas. Pesquisadores estadunidenses da FDA (Food and Drugs Administration) e do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) garantem que é muito improvável a transmissão de coronavírus por alimentos ou por suas embalagens.

7) A desigualdade social amplia a distorção entre valor e preço. E ela tem aumentado. Você sabe o que é caviar, por exemplo? “Foi preciso o domínio da cura “dos ovos do esturjão com sal para criar o que hoje conhecemos como caviar” (SAFRON, 2004, p. 69) e que, até o século XVI, era desconhecido na Europa. Ali, apesar de abundante, até a década de 1860, “os pescadores costumavam atirar aos porcos a ova do peixe” (SAFRON, 2004, p. 68). O status de “prato de luxo” (do caviar e do que quer que seja) é um fenômeno relativamente recente” (NOGUEIRA, 2020, p.119). Caviar em torrada, para quem tem fome, parece não fazer muito sentido. Arroz com feijão, sim. Contudo, sem trabalho e renda, comprar alimentos parece impossível: não há nem torradas, nem caviar, nem arroz, nem feijão no prato. Por isso, apesar de o Brasil ser uma potência do agronegócio, não detém uma indústria complexa – só se exporta commodities dos latifúndios. De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a indústria, que chegou a representar 28% do PIB (Produto Interno Bruto) há 15 anos, ficou em 21% em 2018.  

Temos uma vida em desequilíbrio. 

 

 

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