O nosso Porco Moura, a nossa salumeria

O porco da raça Moura, louco por pinhão, está para a charcutaria/ salumeria brasileira tal o porco europeu, ávido por bolotas, está para o Jamón Ibérico Pata Negra? Grosso modo, podemos dizer que sim. Foi durante o congresso internacional Mesa Tendências 2016, na ETEC Santa Ifigênia, que conheci Lai Pereira, gerente comercial da salumeria Monte Bello. Cujos insumos servem de ingredientes a diversas preparações do chef Nicholas Callejas, do Maialini (bairro Cambuí/ Campinas-SP). Mundo pequeno, né? Para quem sabe viver, sim.  Post checado em 02 de março de 2021.

Prosciutto, Culatello, Spek, Copa, Guanciale, Lardo, Salame Colonial, Chorizo... O terroir do alto da Serra da Graciosa é comestível e acessível. Marcante, aromático, untuoso, tem seu contorno disposto em tábua, que nem paisagem da Serra do Mar daquela região, declarada pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade, com grande parte de mata e biodiversidade nativas preservadas. E chega até escoltado por pão artesanal de fermentação natural no Maialini - nascido para salumeria à italiana, reinterpretado pelo consumidor como restaurante. Adiante, Callejas explica isso.


 

Tábua com embutidos artesanais da Monte Bello: disponível no Maialini, em Campinas (SP). Foto: Érica Araium/ Diálogos Comestíveis
Tábua com embutidos artesanais da salumeria paranaense Monte Bello: disponível no Maialini, em Campinas (SP). Foto: Érica Araium/ Diálogos Comestíveis

 

Pois compreendi o sabor e textura dos produtos da Monte Bello da melhor forma (provando dos embutidos e conversando com o produtor, sacando o quão bom, limpo e justo era aquilo tudo); bem no momento do marco comercial/ início da divulgação dos produtos que respeitam a lógica do Slow Food .

Os porcos são criados livremente para terem acesso a uma alimentação diversificada (pastagens, raízes e frutas nativas, além do pinhão). Os processos de cura, maturação e defumação são naturais, há zero aditivos químicos.

Desde meados de fevereiro, a salumeria paranaense, situada em Quatro Barras, na região metropolitana de Curitiba, ativou seu "restaurante", aberto um sábado por mês. Os menus são pontuais, assinados por Marcelo, mestre salumeiro com formação de 12 anos na Itália; e uma plêiade de cozinheiros locais que se põem a dividir as gamelas com ele. Além dos embutidos, são servidos pratos elaborados com insumos de outros produtores da região, respeitando-se, assim, a sazonalidade. Quer saber mais? Dê uma olhada neste post da Gazeta do Povo.
 

Porco Moura na Fazenda Canguiri, no Paraná
A raça Moura é estudada por equipe multidisciplinar da Universidade Federal do Paraná (UFPR): a espécie é brasileira é remonta há 300 anos. Foto: Marson Bruck Warpechowski (arquivo pessoal).

 

O NOSSO PORCO MOURA


O primeiro indício dos porcos dessa raça rústica, típica região Sul do Brasil, remonta há cerca de 300 anos. Tem relação com os porcos criados nas missões jesuíticas, levados ao Estado do Paraná pelos porcadeiros, durante as tropeadas. Só não se extinguiu porque professores do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), como Marson Bruck Warpechowski, doutor em zootecnia e nutrição animal, teimaram em estudá-la.

Fui atrás do pessoal do Projeto Moura, que teve início na década de 1980 - até aqui, foram mais de 30 anos de trabalho de resgate da genética original do animal, ibérico em sua raiz. É um trabalho parrudo, que envolve diversas universidades e isntituições de pesquisa, caso da Embrapa; e a investigação dos hábitos do animal, que já serviu de alimento aos paulistas e mineiros outrora.

Em 2016, Warpechowski, coordenador do projeto (e que tem quase ou nenhum apoio financeiro para a pesquisa, mas ama o que faz), relata que foram realizadas diversas atividades com produtores locais, cozinheiros, estudantes e comunidade local, inclusive três dias de campo na Fazenda Canguiri. Uma equipe multidisciplinar se incumbiu de dar todo o suporte técnico aos produtores e aos gestores da Monte Bello - daí o primeiro lote de curados e embutidos especiais com o selo de qualidade do Projeto Porco Moura haver chegado ao mercado.

"A ideia é criar, além da associação de criadores, um consórcio de produtores de curados, com certificação da raça, da região, do sistema de criação, da equidade da distribuição do lucro e do processo de fabricação. A carne in natura também deve ser certificada", adianta Warpechowski.
 

"As pesquisas com genoma, até o momento, confirmam essa proximidade com os ibéricos espanhóis e, mais ainda, demonstram que a raça Moura é única no Brasil, com grande diferença das outras raças brasileiras; descendentes, principalmente dos suínos portugueses (Piau, Canastra, Canastrão, Nilo, Caruncho, Monteiro...)."
Marson Warpechowski, doutor em zootecnia e nutrição animal e coordenador do Projeto Moura.
 

 

DIÁLOGOS COMESTÍVEIS (DC) - Quantas comunidades produtoras desses suínos estão sendo estudadas neste momento?
MARSON WARPECHOWSKI (MW) - Comunidades mesmo, duas: O Faxinal Emboque, em São Mateus do Sul e a comunidade de agricultores da Linha do Rio, na beira do Rio Parto, em Candelária-RS. Mas o projeto se estende pelos pequenos criadores de subsistência espalhados aqui pelo Sul. Já visitamos e mantemos contato com criadores nas cidades de Ponte Alta, Santa Cecília e Lages (SC); Guarapuava, São Mateus do Sul, São João do Triunfo, Palmeira, Campo Largo, Lapa e Ponta Grossa, nos Campos Gerais (PR); Quatro Barras, Piraquara, Campina Grande do Sul, Bocaiúva do Sul, Morretes, Pinhais e Colombo, na região da Serra da Graciosa-PR (Salumeria Monte Bello). Estamos em contato também com criadores que ainda não visitamos na serra do Rio Grande do Sul (Garibaldi, Venâncio Aires e Carlos Barbosa). Além disso, há, hoje, rebanhos Moura em instituições públicas: UFPR, EMBRAPA Suínos e Aves, UNESP Ilha Solteira, Universidade Estadual de Maringá, Universidade Estadual de Ponta Grossa, Escola Estadual Agrícola de Pinhais (PR) e Escola Estadual Agrícola de Palmeira (PR), todas essas com porcos provenientes do rebanho da UFPR. E a única que iniciou de forma independente, a Universidade Estadual de Lages (SC), que tem rebanho proveniente do primeiro criador conhecido, o senhor Antoninho Camargo (falecido), da Fazenda Canoas em Lages (que também ajudou a salvar a ovelha Crioula Preta, o bovino Crioulo Lageano e o cavalo Crioulo Campeiro). Além disso, vale citar o projeto da Casa da Videira, em Palmeira, que mantém rebanho de porcos Moura e pata-de-burro (um fenótipo que pretendemos levar ao status de raça).

DC - Podemos comparar, leigamente, as características fenotípicas do porco moura às dos porcos ibéricos que são utilizados para a obtenção do presunto pata negra? O moura é o nosso "pata negra" endêmico?
MW - Não leigamente, mas tecnicamente. Tanto as raças ibéricas/mediterrâneas ainda existentes na Europa (Pata Negra, Alantejano, Negro de Parma, Negro das Canárias, Porc Noir du Pays Basque...), quanto o Moura vem de um mesmo tronco de suínos ditos ibéricos e mais aberto, como mediterrâneos. As raças como conhecemos foram formadas bem mais tarde do que a colonização das Américas (final de 1800). A origem presumida (que estamos rastreando histórica e geneticamente) do porco Moura são os porcos trazidos pelos Jesuítas espanhóis e criados nas reduções do Sul da América (que ocupavam os atuais Uruguai, Nordeste da Argentina, Leste do Paraguai e Oeste do Sul do Brasil). No tratado de Madri, a "Colônia de Sacramento" foi trocada pelas "Missões Orientais do Uruguai" (os 7 Povos das Missões, localizados no Noroeste do Rio Grande do Sul), e os mais de 50 mil índios foram dizimados, seus animais e pertences saqueados. Depois, bem mais tarde, começa o ciclo das tropeadas, e os Moura são levados, como os bois e os cavalos, para os Campos Gerais do Paraná. Para vender carne salgada para os centros de São Paulo e Minas Gerais. A engorda era feita nos pinheirais (pinhão x bolotas ibéricas). Bem, as pesquisas com genoma até o momento confirmam essa proximidade com os ibéricos espanhóis e, mais ainda, demonstram que a raça Moura é única no Brasil, com grande diferença das outras raças brasileiras, descendentes principalmente dos suínos portugueses (Piau, Canastra, Canastrão, Nilo, Caruncho, Monteiro...).
 

Grupo de trabalho da UFPR em dia de campo na Fazenda Canguiri, em 2016: o primeiro lote de curados e embutidos especiais com o selo de qualidade do Projeto Porco Moura
Registro da degustação da primeira paleta curada de porco da raça Moura, por Vitor Hugo Burko, maior criador do país e, também charcuteiro de Guarapuava-PR. . Foto: Marson Bruck Warpechowski (arquivo pessoal).



DC - O que diferencia o Moura?
MW - As características de exterior e, principalmente, as da carne (cor, marmoreio, qualidade da gordura e do sabor). São excelentes, assim como dos parentes ibéricos. E muito diferentes da carne das atuais raças e cruzamentos industriais. As avaliações que estamos fazendo confirmam isso e o sistema de criação ao ar livre, com alimentação contendo pastagens, frutas e tubérculos e o crescimento mais lento, potencializa a qualidade.

DC - Já houve aproximação de algum cozinheiro junto a sua equipe a fim de estudar/saber mais sobre o potencial da raça à gastronomia/ charcutaria?
MW - Sim, ainda no início. A Rosane Radecki, do restaurante Girassol, de Palmeira/PR, terra do russo "Pão no Bafo", patrimônio imaterial do município; a Gabriela Villar do Quintana Café, de Curitiba; o próprio Marcelo Empinotti (marido da Lai Pereira, ambos da Monte Bello); o Rodrigo Bedore (cozinheiro de Curitiba); o Rodrigo Bellora (cozinheiro de Garibaldi/ RS) e mais alguns nomes se envolveram. Os primeiros produtos experimentais estão sendo feitos pelo Vitor Hugo Burko (Guarapuava), pela Monte Bello (Quatro Barras/PR), pelo Frigorífico Tomacheski (São João do Triunfo/PR) junto com a Casa da Videira (Palmeira-PR); e pelo francês Gaspar Desurmond (de Santana do Livramento/RS). Também tivemos uma ótima experiência com um grupo de charcuteiros artesanais ligados à escola de gastronomia Espaço Gourmet. A ideia é criar, além da associação de criadores, um consórcio de produtores de curados, com certificação da raça, região e sistema de criação, da equidade da distribuição do lucro e do processo de fabricação. A carne in natura também deve ser certificada.

DC - Por que prossegue com tanto afinco estudando o Porco Moura ainda que sem tanto apoio?
MW - Estou mandando projetos para todos os editais possíveis, mas inda não "emplaquei" nenhum. Faço porque gosto mesmo, porque me sinto responsável por contribuir com pequenos agricultores, já que sou zootecnista formado em escolas públicas trabalhando em emprego público. E porque quero comer essas coisas e não tenho dinheiro para comprar importado! E porque o importado não vai me trazer a mesma satisfação que o produto local! Quando me aposentar, sonho ser um dos criadores e, talvez, processador também. É muito legal ver que a ideia de que nossos produtos locais genuínos e tradicionais possam ser valorizados num contexto que, ou padroniza tudo nivelando por baixo, ou supervaloriza qualquer coisa estrangeira.

É muito legal ver que a ideia de que nossos produtos locais genuínos e tradicionais possam ser valorizados num contexto que, ou padroniza tudo nivelando por baixo, ou supervaloriza qualquer coisa estrangeira.
Marson Warpechowski, doutor em zootecnia e nutrição animal e coordenador do Projeto Moura.


Em 2012, a Salumeria Monte Bello começou a participar do projeto a fim de desenvolver embutidos de alta qualidade, recheados de saberes e sabores da cultura alimentar local. Airton e Marcelo Empinotti, pai e filho, respectivamente, se incumbiram de iniciar a construção de um baita legado. Lai, que é esposa de Marcelo, é coordenadora do Conselho da Cultura Alimentar de Curitiba - isso é um privilégio.

A primeira remessa desses embutidos foi elaborada com cinco porcos do Projeto Moura, em junho de 2016. Em 2014, porém, nomes como Manu Buffara, André Mifano, Janaína Rueda e Thomas Troigros já haviam sido apresentados aos produtos da Monte Bello e ao projeto.

 

O CONSU-MIMIMI-DOR


Vivo insistindo nesse ponto: o da educação do gosto. Os cozinheiros têm papel decisivo no delinear dos novos quereres, na geração de demanda à cadeia local, na revolução da experiência de consumo. Tem ele de estudar, no papel de gastrônomo que lhe compete, todas as facetas de um insumo. De repensar os hábitos do comer, antever a novidade a ser servida e, então, criar desejos - pensando no agora.

Noutras palavras, a ode do salmão e do filé mignon empratados persistirá até o ponto em que os insumos se esgotarem; ou, justamente, no momento em que aquele chef mais pertinaz não se curvar ao mi-mi-mi do "não como isso" - tão do consumidor mi-mi-millenium... que detém o poder de compra e barganha e decide. A geração Millennials (ou Y, como queira chamar) é aquela nascida entre os anos de 1980 e 2000 e que representa 30% da população brasileira. Concentra seus gastos em roupas (8% do total de suas despesas) e em restaurantes (7%), segundo estudo da Visa Performance Solutions. Ele aponta, ainda, que o ticket médio dos millennials é 26% inferior ao da Geração X (35-53 anos) e que são exatamente os millenials os que mais realizam compras no e-commerce - são responsáveis por 20% do total das transações realizadas virtualmente. É. A gente aprende um bocado estudando Neuromarketing e Consumer Experience. E sempre temos #MotivosParaDialogar com clientes antenados!

Quer pensar mais junto? Se olharmos para as tendências apontadas fortemente há, pelo menos, meia década, lembraremos que a charcuteria e o desenvolvimento de novos cortes de carne, com destaque ao recobrar do papel do açougueiro, se firmou em relatórios avolumados, dissipados para download via BIG DATA. Um dos mais bacanas é o da The National Restaurant Association, disponível para consulta e download

O ranking de Food Trends deste ano situa novos cortes de carne em primeiro lugar (engula língua e miolos, sem chororô) e a charcutaria artesanal na quarta posição. Poderia citar outros tantos rankings ou cases. Prefiro acreditar, ainda, que a carência/falta levará ao afeto e, quiçá, ao amor por determinados gostos/ sabores/ ingredientes.


Nicholas Callejas, do Maialini: especializado na Itália, em salumeria, ele descobriu os embutidos artesanais da salumeria brasileira Monte Bello

 

Nicholas Callejas, do Maialini: especializado na Itália, em salumeria, ele descobriu os embutidos artesanais da salumeria brasileira Monte Bello  

Nicholas Callejas, chef do Maialini:
Nicholas Callejas, chef do Maialini: "A questão não é recuperar ou manter o Slow Food, mas a própria gastronomia. A cultura que há por trás de cada receita". Sequência de fotos: Érica Araium/ Diálogos Comestíveis

 

Por ora, em Campinas e região, soubemos de um cozinheiro, que também é expert em salumeria, com aperfeiçoamento na Itália, que tem servido/ trabalhado com os insumos da Monte Bello: Nicholas Callejas. A despeito da resistência ao termo "charcutaria" e à revelia do senso comum de quem ainda acredita que pratos italianos devem se restringir a meia dúzia de variações de massas (fatte a mano, prego!).

Mas lembramos de outros bambas briosos no ofício de encher linguiças de cultura e coragem - Leandro Silvano (Grainee's), Bruno Tamietti (duas semanas atrás, aliás, ele estava às voltas com uma nova receita de prosciuto cotto - de picanha suína) e Mauro Tavares (Black Sheep). O trio é tão parada dura que trabalha junto sempre que pode. São exemplos.

No Maialini, que completa dois anos neste mês, os cardápios executivos são reformulados sazonalmente, a fim de garantir-se o aproveitamento dos ingredientes. Algo bom para o produtor e para o restaurante, melhor ainda para o consumidor. A cozinha passa constantemente por revisões com relação às compras e a maneira de preparar os alimentos, de modo a garantir-se o menor desperdício possível. E Callejas pondera bastante sobre aproveitamento de carne e o uso de partes não convencionais em preparações.

É claro que ele já tentou emplacar algumas delas nas preparações do Maialini. Umas, com sucesso. Outras tiveram muita resistência do público que, geralmente (aqui, lá e acolá) torcem o nariz ao desconhecido.

Com formação inicial em Hotelaria pelo Senac, Callejas especializou-se em gastronomia. Fez o Curso Prático de Cozinha pela Escola de Culinária e Gastronomia Nicolau Rosa e concluiu a Capacitação para Sommelier pela Associação Brasileira de Sommeliers (ABS). Em 2012, cursou Cozinha Italiana Avançada também no SENAC, com passagem de mais de seis meses na Itália - passou pelo Antica Corte Pallavicina, dono de uma estrela Michelin. Em 2014, voltou à Itália para explorar a arte da salumeria com grandes chefs de Polesine Parmense.

"Na região da Emília Romana, onde trabalhei, havia uma azienda agrícola, fazenda agrícola. Com vinícola, horta e restaurante integrados. E, obviamente, criação de animais endêmicos, caso de algumas espécies de porcos. As técnicas de produção do prosciutto são ancestrais e mantidas até hoje. Desde 1500, mais ou menos, funciona ali a adega de cura de embutidos mais antiga da Itália. No Antica. Certa vez, um japonês nos procurou para saber sobre a exata maturação do culatello (peça que é feita com a parte mais alta do pernil do porco), porque voltaria ao Japão com o produto e queria saber mais sobre a conservação. Fato é que não há fora do país de origem de determinado produto o microclima ideal. No Brasil, por exemplo, não conseguiremos reproduzir as condições melhores ao desenvolvimento de determinado fungo que, por fim, colaborará ao sabor de um ingrediente. As leis diferem de país para país. Contudo, podemos produzir ingredientes excelentes inspirados em técnicas ancestrais levando em conta os recursos e o terroir locais", compartilha Callejas.

O conceito original de salumeria é bastante distinto daquele que conseguiu implementar no Maialini, pelo óbvio: não há aqui o mindset de lá. Na terra da bota,pelas bandas de Parma, uma salumeria é um local para ser frequentado depois do trabalho e onde não há frescura. Há, sim, bons drinques e embutidos para petiscar. "O curso de salumeria que fiz é ofertado uma vez por ano e somente até a época ideal ao início da maturação das peças. O culatello pode ser feito até o final do inverno. Na última semana de fevereiro, por exemplo, já está quente demais. Aprendi muito sobre a alimentação do porco (à base de milho, castanhas e bolotas), a história do Nera Parmigiana (porco anão), raça quase extinta que dá uma carne muito saborosa e marmorizada", lembra Callejas. Os presuntos italianos desossados ​​são, então, tratados com alho, especiarias e vinho tinto e depois secados ao ar durante cerca de dois anos.

Callejas não faz culatello ou lardo ou o que quer que seja de fato italiano no Brasil. "Faço bons embutidos com boa matéria-prima local. Fato é que, quando pensei em abrir o Maialini, meu pai me disse que houvera descoberto uma salumeria artesanal, brasileira e inovadora. Era um produtor assim que estava buscando. Foi assim que conheci o pessoal da Monte Bello, em 2014. Visitei toda a estrutura no início, o negócio não era nem metade do que é hoje."

A aceitabilidade do público não foi assim tão grande. "Chegamos aos dois anos de marca bem diferentes do que éramos e do que gostaria que fossemos. O público ainda não compreendeu o conceito, mas entende o que é um restaurante, sem problema algum. Também não entende o que vem a ser um gastropub. Não queria vender pratos, mas porções e entradas. Ocorre que o consumidor delineia o negócio e notamos que ele ainda não está preparado para algumas novidades. Pode ser que surjam novos negócios assemelhados e, aos poucos, as coisas mudem", pontua.

Os pães, as conservas, as massas, os molhos, enfim: tudo é feito no restaurante. Às voltas com a celebração do aniversário, o menu do Maialini deve voltar a se revelar mais salumeria que restaurante (como era no início). "Vamos voltar ao conceito original. Para o outono, sopas e conservas mais quentes serão consideradas. Sempre estou de olho na tabela de sazonalidade, no que há de mais fresco disponível. Não sigo a cartilha do Slow Food porque sou cool. Mas porque é o jeito correto de ser feito. O que seria do Queijo de Fossa, Formaggio di Fossa, inventado lá em 1500, se os descendentes do primeiro italiano que encontrou um método de preservar aquele queijo não tivesse mantido a receita viva ainda hoje? A questão não é recuperar ou manter o Slow Food, mas a própria gastronomia. A cultura que há por trás de cada receita", situa.
 

"Não sigo a cartilha do Slow Food porque sou cool. Mas porque é o jeito correto de ser feito".
Nicholas Callejas, chef do Maialini.


E o que é a gastronomia do futuro, Callejas? A oralidade documentada e resgatada conta? "O universo contemporâneo é futurista, como foi Adrià um dia e achávamos que a cozinha molecular seria. Talvez suja uma nova técnica pela qual as pessoas se interessem, tal aconteceu no auge do vanguardismo catalão; e isso seja anunciado como a grande próxima novidade. Na sequência, as pessoas verão que aquilo não é comida, mas técnica ou experiência. E a esgotarão. E voltaremos a pousar os olhos no que consideramos antigo. Acredito em ciclos gastronômicos", avalia.

"Querendo ou não, temos de valorizar as partes não convencionais, os miúdos e mais. Valorizar. De forma sustentável. O que um dia foi comida de reis não deveria ser tratado como comida de plebeus. Sei que na Europa, hoje, há um movimento pela reprecificação dos miúdos. Os restaurantes passaram a buscar carnes mais baratas e o mercado passou a entender que há, de novo, demanda. O tradicional molho à bolonhesa que faço aqui poderia, sim, levar fígado de galinha, lombo de porco e mortadela. Mas não há quem não se chateie comigo quando quero reproduzir a receita clássica. Por que?", indaga.

Até o timo pode voltar a ser interessante. Desde que se empunhe a técnica correta e interprete o alimento  de maneira respeitosa. Comer é desafiador. Antropofágico. Por isso sempre há #MotivosParaDialogar


 

 

 

 

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